Isolamento, dificuldades de comunicação, posturas desafiantes, confrontos frequentes. A aproximação dos filhos à idade adulta pode ser uma valente dor de cabeça para os pais. Mas há estratégias que podem ajudar neste processo.
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Quando Maria de Castro recorda a adolescência do filho, já lá vão uns anos, há um sentimento que cala todos os outros: o desespero. Para se perceber, há que puxar a fita atrás. “O André foi sempre brincalhão, mas nunca tinha dado problemas. Era um bom aluno, sem situações de indisciplina.” O cenário mudou radicalmente a partir do sétimo ano, num cocktail explosivo que envolveu a adolescência, uma mudança de escola e uma turma particularmente difícil. “De repente, começou a ter problemas de mau comportamento, com os professores, com outras turmas, andava sempre metido em confusões, até começou a fumar droga.” Uma vez, Maria lembra-se bem, tinha acabado de o ir buscar à escola quando ele sai disparado do carro para se envolver numa luta monumental com um colega. Ainda assim, a comunicação nunca se perdeu, André acabava sempre por falar sobre os sarilhos em que se metia, pedia desculpa (particularmente quando via a mãe em lágrimas, o que aconteceu diversas vezes), jurava que não voltaria a fazer. “Mas depois era mais forte do que ele. Foi um desespero, um sentimento de perda de controlo, sentia que por muito que corresse, ele corria sempre mais. Felizmente, foi uma fase, a partir dos 17 anos as coisas melhoraram e o André voltou a ser o que sempre foi.”
A experiência de Maria não é de todo singular. Aos consultórios dos psicólogos, pedopsiquiatras e pediatras da adolescência chegam com frequência pais à beira de um ataque de nervos, à custa das relações tempestuosas que têm com os filhos, em particular na transição para a idade adulta. Mesmo entre os que não chegam a procurar ajuda, há “queixas” relativamente comuns, umas que resistem ao tempo, outras que são fruto da era em que vivemos. Há quem sinta grandes dificuldades em romper as malhas do isolamento. Quem relate o imenso desafio que é em entrar na cabeça dos filhos e perceber-lhes a forma de ver o Mundo – tanto mais quanto, nas redes sociais, são bombardeados com todo o tipo de conteúdos duvidosos. Quem se veja grego para impor limites. Quem se sinta permanentemente desafiado. Quem se depare com uma certa resistência ao afeto. Há até quem confesse que, durante a adolescência dos filhos, chegou a sentir que os estava a perder. O que nos leva à questão: há uma fórmula para uma boa adolescência? Não sendo a resposta tão simples como os pais desejariam, há, pelo menos, conceitos e estratégias que podem aumentar a probabilidade de sucesso.
“A adolescência não é por si só uma fase tão problemática como se diz frequentemente”, ressalva Lia Moreira, pedopsiquiatra. “É sim uma fase de transição, em que os jovens têm de superar determinadas etapas no desenvolvimento e em que há mudanças a vários níveis, desde logo do ponto de vista cognitivo, com o desenvolvimento da metacognição, que é a capacidade de pensar sobre o pensamento. É uma ferramenta brutal, que também lhes dá uma certa sensação de poder. Paralelamente, há outro processo muito importante nesta fase, de autonomização das figuras parentais, que tem a ver com a criação da sua própria identidade.” O primeiro passo para uma boa adolescência será, pois, entender este processo. É Ivone Patrão, psicóloga e investigadora do ISPA – Instituto Universitário de Lisboa, quem o diz, realçando um outro “movimento” natural desta idade: a maior ligação a um novo grupo de pertença, habitualmente o grupo de amigos, processo “normal e saudável”. “É preciso reativar esta ideia de que os pais também passaram por isso.”
Hugo Tavares, pediatra da adolescência no Hospital CUF Porto, também foca este aspeto. “Há dois pontos fundamentais: por um lado, lembrarmo-nos de que também já fomos adolescentes e que, também no nosso tempo, a nossa noção de tempo e de prioridades era diferente da dos nossos pais; por outro, a capacidade de estabelecer boas linhas de comunicação.” Um processo fundamental, que deve começar ainda durante a infância, frisa Ivone Patrão. “Os estudos mostram que quanto maior o investimento na infância, melhor será o resultado durante a adolescência e a idade adulta. É importante insistirmos na vinculação, termos tempo de qualidade. Se não nos ligamos às nossas crianças com amor e calor humano e as deixamos ao cuidado da tecnologia, elas acabam por não treinar as competências socioemocionais. E aí vamos ter adultos desumanizados e sem empatia.”
Lia Moreira também vinca esta premissa. “Quanto melhor for a relação com as figuras parentais, com maior capacidade de escutar, partilhar experiências e emoções, com respeito pelo espaço dos filhos, mas com presença, quanto mais os pais conseguirem exercer o seu papel educativo com regras e limites bem definidos, maiores serão as competências deles para explorar o mundo que os rodeia. E isto é válido tanto para a infância como para a adolescência. Já se forem famílias que comunicam pouco, há o risco de se chegar à adolescência e se criar um maior afastamento.” Ainda mais quando o processo de criação de uma identidade pressupõe sempre “uma maior separação das figuras parentais e uma maior identificação com o grupo de pares”. “Os pais, que durante a infância são idealizados pelos filhos como super-heróis, passam a ser vistos com mais realismo, o que, a juntar à capacidade de o adolescente ter um pensamento mais crítico e de desenvolver opinião própria, se pode traduzir numa maior necessidade de confrontação.”
Depois, lá está, há a questão das novas tecnologias e das redes sociais. A série britânica “Adolescência”, um absoluto fenómeno de popularidade, veio chamar a atenção para isso mesmo. A história arranca com a detenção súbita e brutal de Jamie, um adolescente aparentemente pacato, por suspeita de homicídio de uma colega de escola. À medida que a série prossegue, vamos sendo confrontados com um outro lado do protagonista, misógino e maquiavélico, e com a total impotência dos pais, que, mesmo sendo carinhosos e presentes, não foram capazes de perceber que o filho estava a ser arrastado para um universo monstruoso. Ora, se os especialistas ressalvam que os pais não devem assumir, à mínima coisa, que o mesmo vai acontecer com os seus filhos, há boas práticas que podem e devem ser seguidas, no que respeita ao uso das tecnologias.
Ivone Patrão, que acaba de lançar o livro “Ainda vamos a tempo!”, sobre esta problemática, deixa orientações importantes. “Se começarmos a introdução da tecnologia desde pequenos, mas sempre com regras, com tempo limitado, com conteúdos supervisionados, ajustados ao nível de literacia digital e de desenvolvimento da criança e à sua capacidade de autorregulação emocional, sempre estimulando o desenvolvimento do juízo crítico, será mais fácil que as coisas corram bem. Desta forma, quando os nossos filhos chegarem à adolescência, já teremos anos de treino. Agora, se não fizermos isto desde cedo, e o começarmos a fazer do nada na adolescência, a probabilidade de confronto é enorme.” A investigadora reconhece que “situações desagradáveis podem sempre acontecer”, mas a supervisão e uma comunicação familiar aberta são meio caminho andado para controlar danos. “O que não pode acontecer, como temos visto em vários estudos, é termos mais de 50% dos jovens a assumirem que já lidaram com situações desagradáveis na Internet e, destes, metade referir que não falou com ninguém sobre o assunto.”
Num plano mais geral, há uma outra estratégia fundamental: a existência de um “área em comum”. Um hobby partilhado, entenda-se. Seja a prática de um desporto, a ida ao futebol, à praia, ao cinema. “É importante que haja atividades em comum, momentos em que pais e filhos consigam encontrar-se e estar em sintonia, uma espécie de zona neutra”, realça Hugo Tavares. Ivone destaca uma outra nuance: a capacidade de autorregulação dos pais: “Compete-lhes ser o adulto na sala. É preciso perceber que a partir de um dado patamar da discussão já não vale a pena. Às vezes é importante saber parar para respirar e voltar ao assunto depois. Quase como um time out. Durante muito tempo, falávamos apenas da autorregulação do jovem, mas cada vez mais a investigação vem mostrando a importância da corregulação e o do papel que os pais desempenham neste processo”.