Improvisava homilias, fez-se padre, foi missionário no Peru. Em apenas dez anos escalou os degraus até ao topo da pirâmide da Igreja Católica. Tal como Francisco, quer abrir portas a todos. Abusos de menores e comunidade LGBTQIA+ são pedra no sapato.
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Em criança, o pequeno Robert Prevost, a quem os mais próximos chamavam carinhosamente de Bob ou Rob, não tinha brincadeiras iguais aos meninos da sua idade. A parte preferida do dia era passada na igreja a ouvir missa em latim, que depois replicava em casa. Transformava uma tábua de passar a ferro em altar improvisado, cobrindo-a com um pano, preenchendo-a com pratos e taças e pregando depois para os dois irmãos mais velhos, a quem servia uma bolacha que simbolizava a hóstia. O ritual era contado pela família, ao ponto de uma vizinha lhe ter dito em tom profético: “Um dia serás o primeiro norte-americano Papa”. Não imaginava quão certeiro sairia o palpite.
O agora Leão XIV cresceu em Dolton, pequena vila de 21 mil habitantes localizada 30 quilómetros a sul de Chicago, onde nasceu. A infância e a adolescência foram passadas numa casa construída em 1949 e cuja hipoteca os pais amortizaram com prestações mensais de 42 dólares (37,80 euros). Com 1300 metros quadrados, dois andares, três quartos e pátio frontal generoso virado para a rua, a moradia era uma de tantas de um bairro típico de subúrbio, maioritariamente habitado por famílias de origem irlandesa. Vendida em 1996, depois de passar por outros proprietários, foi adquirida o ano passado por apenas 66 mil dólares (59,4 mil euros). Steve Budzik, o agente responsável pelo negócio, contactou o comprador mal soube da nomeação de Prevost. “Disse-lhe que poderia fazer um grande negócio, foi melhor do que se tivesse ganho a lotaria”, descreveu Budzik ao jornal “The Independent”. O imóvel ficou entretanto disponível pelo preço base de 250 mil dólares (225 mil euros), confirmou a estação de televisão NBC.
Diariamente, a rotina do pequeno Robert não variava. Deslocava-se a pé para a missa de mão dada com a mãe, Mildred (1912-1990), mulher de origem espanhola bacharel em Ciências Naturais, bibliotecária numa escola de Dolton, cantora no coro da igreja e oito anos mais velha do que o marido, Louis (1920-1997), veterano da II Guerra Mundial com raízes francesas e italianas que participou no desembarque das tropas aliadas na Normandia e fez carreira como inspetor escolar no regresso à vida civil.
Com tamanha devoção religiosa, não surpreendeu a opção pelo sacerdócio. Entrou para a ordem de Santo Agostinho em 1977, com 22 anos e depois de concluir o curso de Ciências Matemáticas – viria, mais tarde, a especializar-se também em Teologia. Foi ordenado em 1981. Um ano depois, uma foto que corre no universo virtual comprova-o, encontrou-se com o então Papa, João Paulo II, quando estudava em Roma.
Como lembrou o jornal “The Guardian”, Robert Prevost “nunca foi o típico clérigo dos EUA”. A biografia pastoral comprova-o. Em 1985, partiu como missionário para o Peru, onde realizou trabalhos em áreas remotas de difícil acesso. Fixou base em Trujillo, onde foi professor durante mais de dez anos, apaixonou-se pelo país e o país apaixonou-se por ele, ao ponto de lhe ter concedido a nacionalidade em 2015. Um ano antes, o Papa Francisco fizera-o bispo e em 2023 viria a subi-lo a cardeal. “O seu lema episcopal é ‘In Illo Uno Unum’, palavras que Santo Agostinho pronunciou num sermão para explicar que embora os cristãos sejam muitos, no único Cristo são apenas um”, descreveu o site “Vatican News”.
Fluente em inglês, italiano e espanhol, línguas em que falou na varanda de São Pedro, no Vaticano, no primeiro discurso enquanto Sumo Pontífice, também se expressa bem em francês e em português. “Juntos, temos de construir pontes, de dialogar, de estarmos abertos a receber todos de braços abertos. Porque todos precisamos de diálogo e amor”, disse na mesma mensagem.
Defensor de uma Igreja Católica aberta a laicos e a não praticantes, tem no currículo a mancha de alegadamente ter encoberto duas situações de abuso de menores por parte de padres, em Chicago e no Peru. Nunca se pronunciou publicamente sobre os casos, embora assessores próximos garantam que fez de tudo para punir os prevaricadores. Também foi criticado pela posição conservadora em relação à comunidade LGBTQIA+, que acusou de “práticas contrárias ao Evangelho”.