A exposição é constante e problemática, a influência é silenciosa e poderosa. Os pais podem ajudar os filhos a ler as entrelinhas e a entender ratoeiras de narrativas perigosas. Sem críticas e sem julgamentos.
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O bombardeamento é diário nas redes sociais, em todas as plataformas que reproduzem discursos extremistas. Uma vez, duas vezes, as vezes que forem necessárias. Sem parar, em loop. Direitos conquistados e preocupações sociais perdem valor em conteúdos extremados e manipuladores, em discursos construídos para seduzir e influenciar com mensagens violentas e radicais. E as conversas chegam a casa, ao sofá da sala, à mesa do jantar, aos convívios familiares. Os mais novos são, muitas vezes, permeáveis ao que leem e escutam. Os pais não podem fazer de conta que nada se passa. O silêncio não resulta.
A informação está em todo o lado, a desinformação procura terreno fértil para crescer, os conteúdos disfarçados de autenticidade andam por aí, as ideologias extremistas navegam por muitos lugares, os discursos polarizados e regressivos escalam e captam com subtileza a atenção dos jovens.
Estas realidades são preocupantes, observa Sara Ferreira, psicóloga clínica, não porque os jovens sejam fracos ou desinformados, mas porque estão numa fase da vida em que estão a moldar o seu pensamento, a sua identidade, o seu lugar no Mundo. “E, nesse processo, procuram referências, pertença, clareza. Movimentos extremistas ou manipuladores sabem disso. E oferecem exatamente isso: um discurso simples, emocional, polarizado, com explicações fáceis para problemas complexos, e com culpados bem definidos”, refere.
Vídeos curtos disparados a toda a hora, palavras impactantes e sedutoras, aquela frase “acredita em ti”, um olhar confiante. Não é preciso muito para penetrar na cabeça. “Com boa luz, som dramático e legendas certeiras, até um discurso extremista pode soar inspirador”, repara Amélie Dionísio, psicóloga clínica. E as armadilhas espreitam. “O verdadeiro perigo está menos no conteúdo e mais na forma como estas mensagens se infiltram na mente de quem procura um sentido de vida. Quando alguém oferece certezas fáceis, o adolescente sente alívio. Afinal, crescer é uma fase de alguma angústia”, sublinha, lembrando que “os jovens constroem e perdem a sua identidade nas redes”. Os pais não controlam o que os filhos veem, mas podem ajudá-los a pensar sobre certos assuntos.
Assim é, de facto. Inês Afonso Marques, psicóloga clínica, psicoterapeuta infantojuvenil, autora de livros como “Crianças confiantes, crianças capazes”, fala da importância de ouvir sem julgar e de corrigir com empatia. “Criar em casa, na família, um ambiente seguro, de abertura ao diálogo, onde não existem temas proibidos e onde a criança se sinta segura a partilhar o que pensa, sente e as dúvidas que tem”, especifica. Mostrar genuíno interesse pelas questões dos filhos, crianças e jovens, nunca subestimar comentários ou perguntas.
Inês Afonso Marques aconselha a evitar expressões como “ainda és novo”, “és muito ingénuo, inocente”, “falta-te experiência de vida” ou “um dia tu irás perceber.” Não, nada disso, não é por aqui. “Ouvir sem julgamento e, se for necessário, fazê-lo com empatia”, sustenta. E evitar discursos dicotómicos, inflexíveis do “ou é bom ou é mau”.
Ouvir sem ridicularizar
Os pais devem estar despertos para discursos extremistas e preparados para ajudar os filhos. O seu papel é fundamental. “Não se trata de vigiar ou controlar tudo o que os filhos consomem. O mais importante é estar emocionalmente presente”, diz Sara Ferreira. Escutar mais do que julgar, acolher antes de corrigir. “Quando isso acontece, o jovem sente-se seguro para questionar, para pensar, para partilhar. E essa segurança é o melhor antídoto contra a adesão cega a ideias radicais.”
O pensamento crítico é importante. “Quem está por trás disto? O que está a tentar dizer? Que tipo de sentimentos desperta em ti? O que é um facto e o que é opinião?” são algumas das perguntas que podem ser feitas em família. “Estas pequenas conversas plantam sementes de autonomia e ajudam os filhos a reconhecer quando estão a ser manipulados emocionalmente”, acrescenta a psicóloga clínica.
Amélie Dionísio destaca esse caminho, estar presente, não para vigiar, mas para ajudar a pensar. “Mais do que controlar, importa ouvir, perguntar e criar espaço para o pensamento próprio”, realça. Por isso, ouvir sem ridicularizar e evitar ironias, até porque, destaca, “a escuta genuína permite ao jovem ouvir-se a si próprio”. Por outro lado, é necessário reconhecer a força do marketing, não há como não fazê-lo. “Vídeos emocionam, mesmo quando mentem. Emoção não é sinónimo de verdade.” Valorizar a dúvida, a dúvida que gera confusão e que pode ser o início da construção de uma opinião informada, robusta, consistente. E conversar sem tabus. “Evitar temas difíceis deixa o caminho aberto para outras vozes. Falar é proteger”, afirma a psicóloga.
Inês Afonso Marques fala também em monitorizar, consoante a idade, acompanhar a utilização das redes sociais e da informação acedida nos meios digitais, estimular a inteligência emocional desde cedo, promover o espírito crítico. E lançar questões: “Quem diz isto e qual a intenção por trás desta mensagem? Que evidência tenho de que isto seja real ou verdadeiro?” Questionar e ensinar. “Partilhar fontes de informação fidedignas e incentivar a que haja verificação de uma mesma informação em diversas fontes.” Os pais devem ser modelos de comportamentos de respeito e tolerância, devem agir com princípios.
Segundo Sara Ferreira, é incontornável falar de valores. “Não como dogmas, mas como princípios que orientam a forma como tratamos os outros, como nos relacionamos com o mundo. A empatia, o respeito, a igualdade são valores que se transmitem com o exemplo, não apenas com palavras. Mostrar aos filhos como aplicamos esses valores nas nossas escolhas, nas nossas relações, nos nossos erros, até. Isso educa”, constata.
Há outro ponto a considerar, ou seja, muitos discursos extremistas entram pela via emocional. “Os jovens consomem conteúdos que os fazem sentir-se poderosos, esclarecidos, justos ou até vítimas de um sistema. O apelo à emoção é muito mais eficaz do que o apelo à razão”, nota Sara Ferreira. As ideias não surgem do nada. “São muitas vezes sinais de um consumo continuado de narrativas polarizadas, que procuram dividir, antagonizar, radicalizar.”
A forma como os algoritmos funcionam não é um detalhe porque eles condicionam, eles sabem inundar os feeds, eles criam uma bolha que dá a sensação de que aquele é o assunto do momento. É aqui que também entra o diálogo. “Criar espaço em casa para conversar, com regularidade, sobre o que se vê, o que se sente, o que se pensa. Não precisa de ser uma conversa formal – pode acontecer num jantar, numa viagem de carro, numa pausa durante um filme. O importante é que os filhos sintam que podem pensar em voz alta, errar, perguntar, sem serem ridicularizados ou rejeitados”, refere Sara Ferreira. O diálogo é essencial, sim, mas não significa que aceite tudo o que é dito. É necessário pensar, analisar, esmiuçar, refletir.
Momentos sem ecrãs são períodos que permitem parar, respirar até porque, lembra Amélie Dionísio, “a exposição constante a conteúdos intensos e idealizados pode gerar ansiedade, insegurança, fadiga emocional e baixa autoestima”. Nestes casos, a saúde mental ressente-se. “Mais do que tudo, os filhos precisam de uma presença que pensa, que saiba dizer: ‘não sei’, ‘vamos ver juntos’ ou ‘isso assusta-me, mas quero ouvir-te’. É nesse espaço que nasce o pensamento livre.”
Sara Ferreira volta a uma das bases da questão. “Não podemos esquecer que o radicalismo – seja político, ideológico, ou de género – se alimenta do medo, da solidão e da ausência de pertença. Se conseguirmos construir em casa uma cultura de escuta, de pensamento, de ligação, de humanidade, estaremos a criar um escudo muito mais eficaz do que qualquer filtro parental.” Os pais sabem escutar e amparar em qualquer circunstância. “Proteger os filhos do extremismo não é afastá-los do mundo, é prepará-los para estar no mundo com consciência, com liberdade e com responsabilidade”, avisa a psicóloga. É preparar para viver e fazer parte de uma sociedade complexa e com dificuldade em separar o trigo do joio.