O Consultório de Sexualidade por Mafalda Cruz, radioncologista e sexóloga.
Corpo do artigo
Enquanto mulher, considero que ainda estamos longe de viver uma sexualidade plena. Daquilo que vê nas suas consultas, acha que estamos realmente a viver a liberdade sexual que o 25 de Abril nos trouxe?
Ana Silva
A liberdade sexual não chegou com o 25 de Abril – começou aí. A revolução tirou-nos do silêncio e da obediência, e abriu caminho para que as mulheres pudessem, pela primeira vez, reivindicar o direito ao prazer, à escolha e à autonomia sobre o corpo. Mas 50 anos depois, vale a pena perguntar: será que estamos mesmo a viver essa liberdade?
Nas minhas consultas de medicina sexual vejo mulheres realizadas, cuidadoras, resilientes – mas também exaustas, silenciosas e, tantas vezes, desconectadas do próprio corpo. E, por isso, a resposta honesta é: não, ainda não estamos a viver plenamente a liberdade sexual que o 25 de Abril nos prometeu.
Vejo mulheres que continuam a aguentar a dor com a penetração, seja por vergonha ou por medo de aborrecer o outro. Vejo mulheres que raramente falam de prazer com o parceiro, apesar de partilharem a cama há longos anos. Outras que nunca se tocaram, que sentem culpa por desejar ou, pior, por não desejar.
Vejo mulheres sobrecarregadas: com o trabalho, com as tarefas da casa, com os filhos e, portanto, sem espaço mental para o erotismo. E ainda ouvimos dizer que o desejo é que “desapareceu”. Ele não desaparece, mas precisa de espaço, liberdade, descanso e intimidade para florescer.
Sim, conquistámos direitos legais que há 50 anos eram impensáveis. É o caso da legalização da interrupção voluntária da gravidez ou a democratização do acesso à saúde reprodutiva – e isso foi essencial. Mas a liberdade sexual não se esgota na lei. Concretiza-se na forma como vivemos o corpo, o prazer e o consentimento na nossa esfera íntima. Ter liberdade é poder dizer “sim” com desejo, “não” com segurança, e “não sei” sem medo. E se há tantas mulheres que não o podem fazer, então não, ainda não chegámos lá.
Abril abriu o caminho. Mas a liberdade – aquela que começa na pele e se afirma na palavra – precisa de uma cultura de valorização e respeito pela sexualidade da mulher. E ainda não estamos lá, por isso a revolução continua.