Para Ricardo Parreira, o mindfulness foi um "game changer" na forma de liderar, chegou até a criar uma sala de meditação na PHC Softwares, de que era CEO, para os funcionários. João Carvalho das Neves passou pelo BPN durante a nacionalização e pelo setor da saúde nos tempos da troika e encontrou na prática diária a estratégia para gerir o stress. Rob Symington, que esteve à frente da empresa vinícola da família no Porto, viveu um burnout antes de se render. A evidência científica tem vindo a crescer, nomes internacionais do mundo empresarial abriram a porta, e o estigma está a cair.
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São quase dez da manhã, Ricardo Parreira está sentado de frente para o mar, na vila de Caxias, em Oeiras, olhos fechados, a ouvir o barulho das ondas. Há dias em que medita em casa, outros aqui, sentado, deitado, como for, mas todos os dias medita. E lembra-se perfeitamente do ponto de viragem. Estava a meio da década dos 30, teria talvez 35 anos, já era CEO da PHC Softwares desde os 22, a empresa de software de gestão que fundou ainda estudante com dois amigos, quando começou a não gostar do seu estilo de liderança. "Era muito exigente, muito impulsivo. Sentia que exigia tanto de mim que não via que estava a exigir o mesmo aos outros, e isso não era saudável. A verdade é que antes tive bons e maus líderes, que é uma sorte, porque percebemos o que a pessoa fica a sentir quando tem um mau líder." Ricardo não quis seguir essa rota, pôs-se a estudar sobre o que podia melhorar, não acredita na velha máxima de que uma pessoa ou nasce líder ou não nasce. E foi aí que surgiu a meditação. "Nem foi como ferramenta de liderança, mas como ferramenta para bem-estar, para me acalmar." Só que acabou por tornar-se num "game changer" também na forma de liderar.
O caminho foi difícil, a começar desde logo pelo preconceito que tinha. "Era muito acelerado e achava que a meditação nunca ia dar para mim. Além de que, quando começamos, é duro, mal fechamos os olhos vem um milhão de pensamentos à cabeça. Mas assim que encarreirei, nunca mais larguei." Leu livros, fez cursos, retiros também, sessões de mindfulness. "É preciso ter persistência, aprendi isso. Mas, logo no primeiro curso, percebi que isto ia ser bom para mim. E a partir de certa altura, meditar passa a ser natural, a fazer parte da vida." Há uma metáfora que costuma usar, contada por um dos seus instrutores, e que não se cansa de repetir. "Imaginemos um jarro cheio de água e de areia. Se o mexermos, não vamos ver bem através do jarro. Mas se esperarmos um bocadinho, a areia vai acabar por cair e vamos conseguir ver bem através do jarro. É isso que a meditação faz, traz uma certa clareza à vida. E quando vemos as coisas com clareza, tomamos melhores decisões, temos mais calma, mais objetividade. Conseguimos aumentar o tempo entre o estímulo e a reação, o que nos permite reagir de forma mais ponderada."
No papel de um CEO, que tem de tomar dezenas de decisões por dia, "ter esta clareza e esta calma ajuda imenso". Assim como ajuda, garante, "a ter mais empatia, a ouvir os outros, a ter uma liderança mais humana, que é fundamental para se ser um bom CEO". "Embora, para mim, a grande vantagem seja o foco. Eu tinha centenas de funcionários, centenas de situações por dia, 35 mil clientes, e conseguir ter foco para decidir bem é muito difícil. A meditação traz este treino para ter foco, já dizia o Daniel Goleman que o foco é o motor oculto da felicidade. Isto não tem nada de esotérico. Estamos a treinar a mente."
Ricardo Parreira, CEO da PHC Softwares, faz meditação na praia de Caxias (Rita Chantre)
Aos 58 anos, Ricardo vendeu, em janeiro, a PHC ao grupo francês Cegid, ao cabo de mais de 35 anos à frente da empresa, está numa pausa sabática. Mas antes, levou a meditação para a PHC, organizou sessões de mindfulness, tentou cativar os trabalhadores, quebrar preconceitos. "A minha ideia era expor as pessoas a coisas boas para elas. Numa das primeiras sessões, só foram 45 de 200 trabalhadores." Ao longo dos anos, talvez tenha conseguido que uma centena de funcionários aderissem. Chegou até a criar uma sala de meditação, na sede, no Taguspark, "para qualquer pessoa que quisesse meditar durante o dia", à semelhança do que acontece na Google. E, até à sua saída, todas as quartas-feiras, à hora de almoço, fazia-se meditação na empresa. Sempre de forma voluntária, só ia quem queria. "Porque tem impactos na felicidade, no bem-estar. E trabalhadores com bem-estar produzem mais. Em Portugal, há muito esta ideia de que se as pessoas estão a rir é porque não estão a trabalhar. Mas a felicidade é lucrativa." Tanto que a PHC foi considerada das empresas mais felizes em Portugal e figurava frequentemente nos rankings das melhores empresas para se trabalhar (e esteve sempre a crescer).
E não, Ricardo Parreira não está sozinho, basta alargarmos as fronteiras para percebermos que outros executivos de topo pelo Mundo recorrem à meditação. Jack Dorsey, ícone de Silicon Valley, cofundador do Twitter, que mais tarde criou a empresa de criptomoedas Square - hoje chama-se Block -, acorda cedo para meditar todos os dias. Tornou-se, aliás, popular por defender a prática. Outro caso mediático é o de Chade-Meng Tan, o engenheiro que levou a meditação para a Google. Trabalhou na gigante tecnológica durante 15 anos e, já em 2014, em entrevista ao jornal "The Guardian", dizia acreditar que a meditação se ia tornar prática recorrente nas empresas, sobretudo pelas evidências científicas que foram surgindo. "Se tu és líder de uma empresa e dizes que os funcionários devem ser incentivados a fazer exercício físico, ninguém olha para ti de forma estranha. O mesmo está a acontecer agora com a meditação, porque se tornou científica, foi desmistificada. Passou a ser vista como um exercício para a mente."
A ciência e os benefícios
Na verdade, a procissão ainda vai no adro, a meditação não se generalizou como Chade-Meng Tan previa há uma década, mas tem vindo a tornar-se cada vez mais popular. Ana Osório de Castro, psicóloga e professora qualificada do Programa de Redução de Stress baseado em mindfulness pelo Centro de Mindfulness da Universidade de San Diego, na Califórnia, resume assim: "A meditação, em termos muito gerais, muda-nos a perspetiva sobre a vida. Ajuda-nos a deixarmos de nos fixar em prever cenários futuros ou em angústias do passado". É focar no presente, ganhar consciência sobre as próprias emoções e criar distanciamento delas. "Se estou mais ansiosa, isso não significa que eu sou essa ansiedade."
A psicóloga interessou-se pelo tema por motivos pessoais, por sofrer de dor crónica, começou a usar a meditação como ferramenta para si, mas mergulhou de tal maneira no assunto que acabou a fazer formação na área. Importa esclarecer que há vários tipos de meditação e o mindfulness (significa atenção plena, aqui e agora), que tem origens no budismo, mas que nada tem de religioso, é uma delas. "É a técnica mais investigada em termos científicos, em contexto hospitalar, e é a mais usada a nível corporativo e na psicologia. O facto de haver mais investigação já nos permite dizer com maior certeza que tem efeitos positivos na ansiedade, na dor, até na depressão."
Mas como se pode traduzir o mindfulness por palavras? "É simplesmente prestarmos atenção ao que está a acontecer no momento presente. Podemos sentar-nos na cadeira do trabalho ou no chão, fechar os olhos e focarmo-nos na respiração ou em sons que nos rodeiam, como o vento. E claro que vão surgir pensamentos, coisas que tenho por fazer, o objetivo é reconhecer que eles existem e tentar voltar a trazer a atenção para a respiração." Há a ideia de que meditar é não pensar em nada. "Só que isso de ter a cabeça vazia não existe, todos nós estamos sempre a pensar." A diferença está em escolher ficar a matutar nos pensamentos que nos invadem ou largá-los. Mas, claro, meditar exige prática diária, "de pelo menos cinco minutos, durante 21 dias, para se conseguir sentir resultados". Há apps com sessões guiadas, aulas de grupo e também é possível "começar a praticar sozinho". "Mas em grupo é mais fácil desconstruir a autocrítica, perceber que distrair-nos é normal, que faz parte do processo."
Na área das lideranças, os benefícios são muitos, segundo a psicóloga. Desde logo porque os altos cargos estão associados a grande pressão e a poucos momentos de paragem, o que significa muito stress e ansiedade. A prática permite aumentar a tolerância ao stress e a resiliência, "porque se ganha mais perspetiva, mais clareza mental, o que ajuda a sermos menos impulsivos e reativos". Na mesma linha, permite gerir melhor as emoções, o que ajuda "a criar mais conexão com as pessoas, a ouvir melhor, a ter mais empatia, a reduzir os conflitos". Por criar espaços de maior calma, em que a mente não está assoberbada com medos ou com o que tem de se fazer a seguir, "também ajuda a ter ideias". "Muitos destes benefícios são aplicáveis a toda a gente. Sobretudo numa era em que somos bombardeados de emails, de whatsapps, de reuniões, de um turbilhão de informação, além da vida familiar."
João Carvalho das Neves, atual presidente da MGA - Montepio Gestão de Activos e administrador executivo na Associação Mutualista Montepio, conhece bem as vantagens. Mas é preciso recuar nesta história para entender o que o levou à meditação. Tudo começa nos anos 1990, quando Carvalho das Neves se tornou sócio da Coopers & Lybrand (agora PwC) e, em simultâneo, aceitou ser gestor judicial da Torralta, empresa que estava falida e que ele conseguiu reestruturar. "Isto foi muito badalado na imprensa, ainda fui convidado para ser gestor judicial da TVI, que aceitei. Muitas empresas começaram a contactar-me, acabei a criar uma empresa só para reestruturar empresas. E cheguei a 2000 completamente esgotado." Viu-se forçado a acalmar o ritmo, vendeu a empresa, dedicou-se ao ensino, deu aulas em Paris e em Copenhaga. "E, numa das viagens para Portugal, sentei-me ao lado de uma senhora. Concluímos que éramos os únicos vegetarianos nesse voo e ela perguntou-me se eu era budista, por ser vegetariano e estar a ler um livro do Dalai Lama - tinha-o comprado antes de embarcar, porque ele vinha a Portugal nessa altura. Depois de muita conversa, convidou-me para um curso de meditação." João respondeu num despacho: "Isso não é para mim, eu estou sempre de um lado para o outro". Só que era precisamente por isso que devia experimentar, explicou-lhe ela.
Fez o curso, ficou rendido, ainda foi fazer outro de 13 semanas e, de tão disciplinado, seguia à risca as orientações, meditava de manhã e à noite. "Comecei a sentir imediatamente o efeito, a sentir-me melhor, mais equilibrado. Nunca mais parei." A prova dos benefícios tornou-se ainda mais evidente quando, em 2008, é convidado por Miguel Cadilhe para a administração do BPN, na turbulenta fase da nacionalização do banco. "Foi um período muito stressante e percebi que lidei muito bem com aquilo, comparando com o que tinha vivido nos anos 1990. A única diferença era a meditação, que me ajudava a concentrar, a ter calma, a observar." Cadilhe chegou a elogiar-lhe a calma, convencido de que estava ligada à prática de judo, que Carvalho das Neves faz há já 50 anos. "Ri-me. Mas não lhe disse que era da meditação, ninguém sabia, ainda havia muito estigma."
João Carvalho das Neves, presidente da Montepio Gestão de Activos, tornou-se menos impulsivo (Rita Chantre)
Depois da experiência do BPN, fez acreditação como professor de mindfulness e decidiu fundar a Zenaction, para levar a meditação às empresas, fazia sessões para quadros de topo e para as equipas. Mas, na verdade, só quando se tornou presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), no período da troika, é que começou a saber-se que fazia meditação, porque criou um programa de mindfulness para os funcionários. "Naquela altura, os níveis de stress na saúde eram muito altos, as pessoas precisavam de ajuda, então convidei um instrutor para fazer sessões. Resultou muito bem, teve uma grande adesão porque sabiam que o presidente também praticava. Tanto que o Paulo Macedo [então ministro da Saúde] soube daquilo e veio questionar-me. Expliquei-lhe que não era nada de religioso ou esotérico, mostrei-lhe artigos científicos. A própria secretária dele quis juntar-se às nossas sessões."
Hoje, aos 68 anos, Carvalho das Neves continua a meditar diariamente, sobretudo à noite, antes de se deitar, 15 minutos. Usa um tapete zabuton e a almofada zafu, onde se senta de pernas cruzadas. Foca-se na respiração ou em sensações do corpo. No silêncio. "As pessoas continuam a achar um bocado estranho um homem da área das finanças fazer isto." Mas ele não se detém muito a pensar em formas de explicar, o seu exemplo basta-lhe. "Antigamente, era muito impulsivo, levava tudo à frente, era um tsunami. Decidia o que era para fazer e todos tinham de fazer como eu achava, o que não é propriamente liderança. Irritava-me sempre que iam contra o que pensava. Hoje não, em vez de reação, sou de ação. Raramente sou impulsivo e ouço mais."
Os pensamentos ruminativos e a liderança mais empática
As evidências têm crescido de tal maneira que a própria psicologia tem vindo a integrar o mindfulness na prática clínica, chamam-lhe terapias de terceira geração. Vitor Bertocchini, psicólogo e cofundador da Sociedade Portuguesa de Meditação, até sublinha a principal vantagem: "São práticas muito simples, isentas de efeitos secundários e gratuitas, tirando algum curso que se possa fazer". Na prática, simplifica, o mindfulness ajuda a distinguir os pensamentos do pensar. "São coisas diferentes. Uma coisa são os pensamentos que surgem na mente, que são perfeitamente naturais, outra coisa é agarrarmo-nos a eles e criarmos narrativas. Por exemplo, aquela pessoa no trabalho disse-me qualquer coisa de que não gostei e fico a ruminar nisso, a pensar que a pessoa não gosta de mim, que não valho nada. A meditação ajuda a não alimentarmos estes pensamentos mais ruminativos e negativos, que não levam a nada."
Permite eliminar o ruído, deixarmos de nos focar no que aconteceu na semana passada ou no que vai acontecer amanhã. "É como se estivéssemos no cinema, a assistir a um filme, filme esse que é a nossa mente. Há uma certa separação entre o que estamos a ver e o evento, conseguimos ver a big picture." Mas dá trabalho, implica consistência, e pode ser desesperante ao princípio estar frente a frente com a própria mente, no silêncio. Porém, reza a literatura que este treino, tal como dizia Ana Osório de Castro, nos ajuda a não sermos tão reativos, a ter mais consciência das nossas emoções e a ouvir mais os outros.
Rob Symington, 41 anos, teve de viver um burnout para descobrir tudo isto. Era até há pouco tempo CEO da Symington Family Estates, empresa familiar vinícola e produtora de vinho do Porto, à qual se mantém ligado como diretor não executivo, mas regressou há dias a Londres, onde já tinha trabalhado no princípio da carreira, para ser diretor-geral da Berry Bros. & Rudd. "A vida é cheia de imprevistos, faço parte da 5.ª geração da empresa da família, foi uma decisão difícil, mas estou agora a viver em Londres. Eventualmente, hei de voltar ao Porto." Se rebobinar no tempo, foi precisamente quando saiu da capital britânica, há quase uma década, que começou a meditar.
Tinha estado a liderar uma startup em terras de Sua Majestade e nessa altura chegou a um ponto de exaustão, caiu num burnout. Com 29 anos, acreditava ser capaz de tudo até que o corpo lhe pôs travão e lhe mostrou à força que são precisos limites. Foi então que decidiu praticar ioga para tentar gerir o stress. Começou a medo, carregado de preconceitos, mas "foi uma lufada de ar fresco". Depois, quis experimentar uma semana de meditação em silêncio. "Ao mergulhar neste mundo, aprendi que não é só a parte física, mas a parte mental. Passei seis dias sem falar, com um grupo de pessoas que estava a aprender a meditar, das seis da manhã às nove da noite. E desde então tenho mantido o hábito." Mais ainda agora, "em que se trabalha tantas horas, estamos sempre a receber notificações, pedidos, emails, notícias, redes sociais". Há dias mais difíceis, outros mais fáceis, não é tudo perfeito na hora de meditar. "Mas, além da responsabilidade empresarial, tenho três filhos, e isto foi muito importante para conseguir gerir as minhas emoções. Tanto que a minha ex-mulher sentiu que deixei de me irritar tanto com os miúdos, com os gritos e as birras."
Rob Symington começou a praticar ioga depois de ter um burnout. Depois, experimentou uma semana de meditação
Medita quase todos os dias, em casa, pela manhã, antes de as crianças acordarem. Usa uma app para se disciplinar, às vezes são dez minutos, outras mais. "A meditar percebi que não sou o chefe deste cérebro, eu estou a tentar concentrar-me na respiração, no vento ou no meu corpo e ele está a pensar no que aconteceu ontem. Mas o ato de meditar é precisamente voltar a trazer a concentração para o que queremos e isso, com a prática, melhora muito a nossa capacidade de foco. E ajuda nos momentos mais stressados e agitados." Com o tempo, foi percebendo que muita gente à sua volta faz meditação, que não é "coisa de hippies, de pessoas que vivem em Bali a fazer ioga", como chegou a pensar.
Mesmo enquanto líder, Rob sentiu as mudanças. "Tornei-me num líder com mais empatia, mais noção de que não somos robôs, não somos máquinas, somos pessoas. E a meditação também me ajuda a passar esta sensação de confiança e calma aos outros." Está nos planos, em breve, levar sessões de mindfulness para a Symington Family Estates. "Não só é uma forma de mostrarmos às equipas que as valorizamos, como isto é benéfico para a produtividade. Ninguém quer que a sua equipa esteja a sofrer com altos níveis de stress."
Não é por acaso, recorda Rob, que grandes figuras de Hollywood meditam. A propósito disso, dá o exemplo do humorista Jerry Seinfeld, que discorre frequentemente sobre o tema. "Sobre o papel que a meditação teve quando estava a criar a série "Seinfeld", de como o ajudou." E até numa fase conturbada de grandes transformações, como a que Rob está a viver (passou por um divórcio, a somar à mudança para Londres), a meditação foi crucial. "Consigo criar mais distância das minhas emoções e dos meus pensamentos mais problemáticos. Tem sido um suporte importante."