Engenheiro-agrónomo de formação, mora no campo, anda de trator, faz um belo cozido à portuguesa (à sua maneira), perde-se por mão de vaca com grão. Vocalista por acaso, baixista por vontade. Dá aulas na Voar, escola de rock que abriu com os filhos. Não tem saudades do passado, mas caem-lhe lágrimas quando vê fotografias antigas. Tim dos Xutos (não Quim dos GNR, como já lhe chamaram) celebra 50 anos de palco em setembro. Pretexto para uma conversa que sai da música e que volta sempre a ela.
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Encontrámo-nos num hotel, em Vagos, em dia de concerto, em Mira, com a banda Resistência. Tem um verão preenchido com os Xutos & Pontapés. O costume, não consegue estar parado. São 65 anos de vida e 50 de palco que celebra no São Luiz, em Lisboa, a 20 e 21 de setembro, entre amigos e companheiros de estrada. Teresa Salgueiro, Jorge Palma, Vitorino são alguns dos convidados. Nasceu António dos Santos, a irmã mais velha deu-lhe a alcunha, Tim, e assim ficou. Compositor impulsivo, as emoções são matéria-prima para as canções que escreve. Podem chamar-lhe esquerdalho, que não se importa.
Há alguma coisa de engenheiro-agrónomo que ainda lhe corre nas veias?
Muitas. Na altura, havia essa condição na juventude de que se devia tirar um curso. Com um amigo, escolhemos a escola mais bonita de Lisboa [Instituto Superior de Agronomia]. Vinha do Alentejo, habituado ao ar livre. Com experiências de escritório, fiz todo o possível para não ficar preso no mesmo sítio, durante o dia inteiro. É um curso muito abrangente. Por outro lado, podemos fazer algum tipo de analogia com a música. Se pensarmos que uma canção é parecida com um fruto, então ela precisa de uma árvore para nascer, de ser cuidada, de ser adubada. A promoção é o adubo da coisa, a árvore é o artista que a faz, quando a colhe, se a colhe madura para vender logo ou se a colhe mais verde para guardar e vender depois. Há coisas destas que podem ser engraçadas de pensar.
Nessa altura, a música já estava na sua vida.
Em 1979, entrei para Agronomia, entrei para o Conservatório de Lisboa, comecei a namorar a minha mulher e entrei para os Xutos & Pontapés. Foi um ano marcante. O Conservatório ficou para trás por falta de tempo, Agronomia continuou com os seus solavancos, a minha mulher e eu ainda estamos casados, os Xutos & Pontapés é o que vocês sabem.
Ainda mora no campo?
Moro.
Anda de trator?
Agora menos porque avariou, coitadito, já tinha uma certa idade, estou à espera de peças. Sei andar de trator, sei montar alfaias, essas coisas. Não sou um grande agricultor, digo já.
Não sabe se está na hora de plantar couves ou alfaces?
Este ano, fiz favas e algumas coisas, tenho alguma frutita e tal, não é por aí. Mas quando chega a altura de cuidar, estou na estrada e é uma pena porque ou as ervas crescem, ou as coisas caem, ou falta água. Não posso fazer o que fazia. Há de vir um dia em que terei mais tempo.
A especialidade do curso, melhoramentos rurais, deu-lhe um olhar mais afinado para o território não urbanizado?
Para olhar para um território mais em bruto, mais como é? Sim, ainda consigo, quando vou na estrada e olho pela janela, identificar onde é que estou, a geologia, o tipo de vegetação e de construção. O curso deu-me essa capacidade. Não é uma coisa de que fale muito, de que me gabe, que use, mas é uma coisa que sinto bastante.
É assunto de conversa de amigos?
Muito pouco. Sabem que uma árvore é uma árvore. Ponto.
E a habitação é tema de conversa e um problema que o preocupa?
Preocupa-me, tenho filhos. A habitação é um bem e é um direito, poderia ser uma coisa até fora do mercado, como nós o entendemos, mais regulamentada, mais regularizada, para não haver as discrepâncias que existem, casas fechadas e famílias a precisar delas. É como se uma pessoa tivesse fome e outra tivesse batatas e dissesse: "As batatas são minhas, mesmo que apodreçam, não te as vou dar". Devia haver uma saída do mercado, uma maneira de se poder regulamentar de uma forma mais civilizada, mais humana. Como está, estamos num plano inclinado. O que hoje vale 100, amanhã vai valer 120, depois 200.
Uma bolha que vai explodir?
Não sei se vai explodir. A vida das pessoas anda mais depressa do que a construção. Não é só quantidade, mas qualidade. Ninguém precisa de cinco assoalhadas, mas fazem-se e vendem-se. O que foi há 20 anos, e que ainda está no mercado, já não corresponde às necessidades, existe um desfasamento também qualitativo do mercado, o que torna a coisa ainda mais complicada. Devia haver outra maneira.
Há outros temas que o preocupam em relação ao estado do país? Discursos polarizados, questões políticas, sociais...
Bom, se me quiserem catalogar, até me podem chamar de esquerdalho, não me importo, não tenho problemas com isso. As minhas opiniões, não sendo muito fortes, vão para esse lado. A massa humana vive de ciclos. Sendo os problemas praticamente os mesmos, vai buscar soluções a um extremo ou a outro. Se a solução para o problema da saúde foi o Serviço Nacional de Saúde (SNS) durante 50 anos e que não o resolveu, então a solução não será o SNS, serão os privados, por exemplo. Ora, no meu entender, nem um, nem outro. Nem o SNS devia estar ao serviço dos mais favorecidos, nem os privados deviam estar ao serviço de quem mais precisa. Devia haver outro tipo de entendimento. Percebo e compreendo, posso não gostar, posso não concordar, que as pessoas se sintam insatisfeitas com o que aconteceu durante 50 anos. O que pode vir a seguir, logo veremos. Não sou tão radical que diga que vai ser terrível, possivelmente poderá não ser. Agora, que vai ser bom também não acho que seja, porque estamos outra vez a entrar num ciclo em que o pessoal ganha uma importância muito grande em relação ao social. Durante estes 50 anos, durante toda a minha vida, pensámos que devíamos olhar uns pelos outros, os meus impostos servem para ajudar os outros. Agora parece que a filosofia é mais pelo pessoal, ou seja, o que interessa sou eu e os meus, desde que estejamos bem, o resto que se lixe, pode arder o Mundo.
Um ano depois de entrar para os Xutos, Tim estudava Agronomia e estava no Conservatório de Música, em Lisboa (Direitos Reservados)
A liberdade foi conquistada a pulso.
A liberdade é uma conquista diária de cada um, em todos os sentidos. A liberdade são muitas liberdades, a liberdade é de cada um, e tem muitos aspetos. A liberdade de ser quem se é, de sermos quem queremos ser, já é uma conquista. Mesmo materialmente, muitas vezes, não conseguimos, outras vezes, moralmente não conseguimos, e as duas coisas juntas, mais o peso de uma sociedade a dizer como é que devemos ser, pode ficar muito complicado. Essa é a parte que, se calhar, os mais novos já esqueceram.
Onde estava no 25 de Abril?
Estava em casa, tinha 14 anos, ia para o liceu e não fui.
Explicaram o que estava a acontecer? Percebeu logo?
Sim, percebemos logo. Já havia uma sensação de desconforto, tínhamos o "Portugal Hoje" [jornal] em casa, havia conversas. Percebia-se que alguma coisa tinha de acontecer. O 25 de Abril aconteceu como tinha de ser. Tinha de ser assim.
Cinquenta anos de palco. Espantado com a velocidade com que o tempo passa?
Muito. Segundo a teoria da relatividade, quando as coisas são boas passam mais depressa.
É nostálgico, saudosista?
O que é que isso quer dizer?
Tem saudades do passado?
Não. Mas choro quando vejo fotografias antigas.
Ah, sim?
Sim, cai-me uma lagrimita, acho que é uma espécie de felicidade, de poder ter estado ali e ter vivido aquilo. Vejo fotografias, que podem ser dos anos dos miúdos, de concertos, coisas dessas, que não procuro, mas que me dão um bocadinho para o sentimento.
Como é hoje entrar em palco? Um ritual, um momento de nervosismo, borboletas na barriga?
Nunca tive borboletas. O que sempre senti, é uma sensação de grande alegria e de grande satisfação, um bem-estar que ultrapassa todas essas pequenas coisas. Deixa de haver um objetivo, vou fazer isto, aquilo e aqueloutro, para se estar a fazer isto, aquilo ou aqueloutro, um sentimento com uma emoção muito mais abundante do que a outra que se teve anteriormente. Quando me sinto nervoso, e às vezes sinto, quando subo para o palco, e quando a coisa começa, percebo que é tudo natural. Se é para ser assim é porque as pessoas querem, porque posso, porque conseguimos fazer e, portanto, não tenho ansiedade nenhuma em entrar em palco.
O público está diferente ou cada vez mais igual ao longo destes anos?
São muitos anos de público. Vou começar pelo princípio. Quando comecei nos bares, antes dos Xutos, era um público amigo, uma coisa engraçada de miúdos de 15, 16 anos. Quando arrancámos com os Xutos, o público era maioritariamente - quase todos, se não todos, tirando a irmã mais velha do Zé Pedro - jovens rapazes cheios de testosterona capazes de dar porrada, um ambiente completamente masculino. No princípio dos anos 1990, quando aparece a Resistência, começa uma mudança radical do público, não sei se por causa do movimento estudantil. De repente, raparigas dos seus 16 anos, e por aí fora, começam a ir aos concertos. E a coisa muda. Deixámos de ter aquele ambiente de cerveja, porrada, cuspidela, e sabe-se mais lá o quê, para um ambiente mais parecido com o que temos hoje. Por essa altura, ainda nos anos 90, ainda antes da globalização, as terras eram diferentes, havia respostas diferentes. No Porto, públicos bastante alegres, puxavam pela banda, gostavam, eram nossos amigos. No Funchal, tocávamos o concerto inteiro e não batiam uma palma e, no fim, ficavam malucos e queriam mais e mais. Em Castelo Branco, eram extremamente solidários connosco, não queriam festa, queriam música mesmo. Com o avanço da Internet, anos 2000, começa uma homogeneização do público, a ser todo mais parecido um com o outro. Ou seja, tocar no Funchal era muito parecido a tocar na Fatacil ou tocar no Porto. Depois aparece aquele fenómeno, que acho engraçado, as idades dos públicos. Passámos a ter três gerações nos concertos. Por brincadeira, costumo dizer que os pais não deixam os filhos com os avós porque os avós também vão ao concerto.
Tim e os seus companheiros de estrada, em 1985 (Direitos Reservados)
Cada canção tem o seu momento ou é intemporal?
As duas coisas. Há canções que se tornam intemporais, se o público quiser. E há canções que têm o seu momento, se o público quiser. Em entrevistas, ouço artistas dizerem que há canções em que têm muita fé, que vão ser isto e aquilo, e são só boas. E há outras que não valorizam tanto e que surpreendem. Isso depende fundamentalmente de duas coisas. Primeiro, da nossa prestação, enquanto artistas, na apresentação das canções, na entrega que temos nessas canções - há umas que pedem mais que outras, mesmo sem a gente perceber. E no querer do público, de gostar, de ouvir, de pedir. No público, também percebo que há uma zona mais mainstream, que quer ouvir "Os contentores" ou "À minha maneira", e outro que quer ouvir outras canções, já está farto de ouvir aquelas. Nos concertos, sabemos que há certas canções que são mais para uns, outras mais para outros, outras que são para todos.
É um compositor impulsivo. Essa impulsividade é a chama do processo criativo?
Para mim, é. Se tiver uma ideia, um princípio, posso não escrever a canção toda, mas pelo menos deixo-a o mais eficaz possível para se poder pegar nela outra vez e continuar a construir. Normalmente corre mal, quando fica no congelador e depois vou pescá-la outra vez, dou-lhe mais um toque, outro toque. São aquelas obras que nunca se acabam.
Ficam a refogar?
Há certas coisas que ou funcionam e acabam ou então não dá. Por outro lado, nos Xutos, há pessoas que não são como eu e que me ajudam a refogar as canções, a ficarem um bocadinho melhores.
Primeiro, fazem as músicas, depois as letras. Não preferia ao contrário?
Não. Muitas vezes, é a ouvir a música que me surge o impulso e que me faz escrever coisas que cabem naquela música, que lhe dão sentido, que justificam aquilo tudo.
São letras que convocam todos os sentidos. Tem essa ideia?
Tenho, faz parte da minha escrita. Ser impulsivo leva-me a escrever coisas que, às vezes, leio e não me lembro porque me lembrei daquilo. Acredito que sejam emocionalmente escritas, ou seja, coisas que as emoções provocam e que não são pensadas.
As emoções são a matéria-prima para as canções?
Isso é fundamental. Às vezes, é difícil escrever as emoções, mas se deixarmos que elas tomem conta de nós, às vezes aparecem coisas escritas que se tornam emocionalmente fortes. Não consigo dar nenhum exemplo, mas há coisas parvas que escrevi e que não têm sentido em si - não são um trocadilho como o Reininho faria. Mas que, depois, ao serem cantadas, as pessoas sentem uma coisa qualquer, e normalmente até sentem a mesma coisa. Muitas vezes, não me obrigo a escrever porque sei que não é assim. Tenho de esperar e quando sai, sai.
E pode sair em qualquer momento?
Normalmente, sai quando estou a ouvir as músicas que a malta faz, estou concentrado, e tenho períodos de hipercriatividade, tudo serve, tudo faz, tudo acontece, tudo mexe. Depois, há uma planície e não se passa nada durante seis meses.
As canções são fugazes como as flores, disse-nos uma vez. É uma imagem poética.
As canções dependem muitíssimo do público. E dependem de nós, claro, que as fazemos. A canção pode transportar-te, pode levar-te para outro sítio enquanto cantas, e essa sensação é completamente percetível pelo público. Pode ser uma coisa fugaz, uma coisa do momento, pode ser uma sensação. Em todos os concertos, canto "Circo de feras", é uma canção que me leva sempre para outro sítio. Todas as vezes que a canto é sempre uma outra oportunidade, uma outra maneira dela aparecer. Por isso, é como as flores, aparecem se tiverem de aparecer. É sempre uma experiência diferente e faz-me uma ligação com o público que poucas, ou nenhumas, conseguem fazer.
A cantiga é uma arma?
Acho que está provado. Não são as minhas, são as de qualquer pessoa, serão as que forem precisas, como motivo de junção das pessoas, como modo de alerta, como informação. E depois a informação faz o resto, desencadeia a junção, desencadeia a discussão, desencadeia o movimento. Uma canção pode ser um motivo de princípio, de revolução. Uma coisa que começa com uma canção, porque não? Como foi com o "Não sou o único", nos idos de 92, com o movimento estudantil, em que os alunos andavam a mostrar o rabo e cantavam essa canção, que estava meio esquecida nos Xutos. De repente, a malta começa a cantá-la e transforma-se nisso. Pode ser um gatilho, um princípio. Normalmente, os movimentos, as transformações, trazem uma bandeira, trazem um hino, trazem uma canção que junta as pessoas e que as põe todas focadas naquilo.
"Quer eu queira, quer não queira/ no meio desta liberdade/ filhos da puta, sem razão e sem sentido/ no meio da rua/ nua, crua e bruta/ eu luto sempre do outro lado da luta." É uma parte da canção "Esta cidade". O que é lutar do outro lado da luta?
A canção é do João Gentil, não é minha, mas assumo essa letra. O que é lutar do outro lado da luta? É uma sensação que tínhamos, e ainda tenho se calhar, dos anos 80. Mesmo estando a participar naquele movimento, percebemos que ainda não é aquele, que é outro, uma coisa meio anarquista, meio fora do contexto, mas onde, à partida, não nos identificamos completamente com nada. Podemos apoiar, podemos dar o corpo, mas, no fundo, há sempre uma desconfiança básica. Um conceito muito anos 80, fim dos 70, muito punk, de desconfiar de tudo e de todos.
"A vida é sempre a perder" é uma expressão que ouviu da sua mãe e que usa numa canção. Perde-se e ganha-se?
Há uma altura em que parece que estamos a ganhar pontos, quando somos novos, e depois, a partir de certa altura, estamos só a gastar pontos. Não quer dizer que seja muito mau, mas vai-se pagando. Vai-se gastando e as pessoas vão sabendo viver com isso. A mensagem é mais ou menos essa. Prepara-te, não é que seja mau, mas prepara-te.
Teve uma infância feliz?
Tive.
Maravilhado ou angustiado com a inteligência artificial? Usa o ChatGPT?
Ainda não usei. Estou com 65 anos, ainda tenho de ter um briefing comigo a perguntar se vale ou não a pena perder tempo com a inteligência artificial. Uma pessoa começa a pensar na sua existência e a ver onde é que vai gastar o tempo que tem. Se calhar, é isso que vou perguntar à inteligência artificial.
Como gastar o tempo?
Como gastar da melhor maneira o tempo que tenho? Estou a ler sobre isso, estou a informar-me, a ver o que acontece. Acho que, muito possivelmente, o Estado vai ser substituído pela inteligência artificial.
Acha?
Acho que vamos ter os palhaços do costume, os fantoches do costume, e por trás deles vai haver tudo o resto a organizar as coisas. Noutro dia, falava com um amigo que trabalhava nas Finanças, ficou sozinho, o chefe disse-lhe que não conseguia colocar mais ninguém, fecharam a repartição. As conservatórias estão na mesma. Estes serviços do Estado, no tecido do país, vão ser substituídos por folhas de computador e pela inteligência artificial. Aquelas senhoras que a gente conhece das lojas do cidadão, possivelmente, quando acabarem o seu tempo, não serão substituídas. E o Estado vai, de base, sendo substituído por uma máquina do Estado.
Tem uma escola de rock com os seus filhos que se chama Voar. É um professor picuinhas ou descontraído?
Os alunos é que podem dizer. A escola foi uma continuação de um trabalho com os meus filhos, tínhamos feito algumas coisas engraçadas no tempo da pandemia com as edições da "Casinha" e seguimos por ali. Dou aulas de baixo e de conjunto, à segunda e à terça. Às vezes, também dou aulas de guitarra quando é necessário. O Sebastião dá aulas de bateria e de formação musical, o Vicente de teclados e conjunto. Ainda temos o João Alves, guitarrista dos Pesticida, a Joana que é professora de voz, o Gimba que faz uns cursos programados de escrita de canções. É uma coisa quase familiar.
Quem são os seus alunos?
Temos alunos desde os 13 aos 67, se não me engano. São pessoas que querem tocar, que gostam de tocar, e que gostam de conviver através da música, e essa é a parte mais engraçada. Quando dou aulas de conjunto, tenho um baterista que deve ter 60 e tal anos, uma miúda de 13 a tocar guitarra, outro de 42 a tocar baixo, um é daqui e outro é dali. E o que interessa é que nada disso interessa.
Faz um belo cozido à portuguesa, ouvimos dizer.
Sim.
Tem algum cuidado a escolher as carnes?
Tenho.
Algum segredo?
Não.
É a receita tradicional?
É a minha. Há muitas maneiras de fazer. Sempre gostei de ir ao talho e de ver a carne. Isso é uma parte. Depois, há a coleção de enchidos. Não é muito complicado, a gente tem de olhar para a carne e achar que vai ficar bom. Faço muito simples, na panela de pressão. Primeiro, meto as coisas mais difíceis de cozer por baixo, a carne de vaca, o chispe, o pé de porco. A seguir, os legumes mais difíceis de cozer, cenouras, batatas, nabos e por aí fora. Vai cozendo, abro e ponho, abro e ponho. Acabo com as couves e a farinheira. Ao lado, faço o arroz com feijão ou sem feijão conforme a lata. E, pronto, depois serve-se.
Perde-se por algum prato?
Mão de vaca com grão.
Será sempre conhecido como o Tim dos Xutos. Isso incomoda-o?
Poderia ser o Tim dos Santos, António dos Santos, que é o meu nome. Poderia ser, mas não sou. Sou o Tim dos Xutos porque é assim que as pessoas me tratam. Também podia ser o Quim dos GNR, já me chamaram assim, mas não dava jeito. Quando não têm a certeza se é Tim é Quim, quando não têm a certeza se é dos Xutos é dos GNR. Não me importo nada de ser o Tim dos Xutos porque é assim que me conhecem. É isso que sou e não vale a pena contrariar as pessoas.