Em Cantelães, o silêncio é palpável e aconchegante.
Corpo do artigo
Sacudo a modorra e "ataco" artigo trazido pela mão amiga e sabedora do professor Leuschner Fernandes: "Embora a crise da covid-19 seja, num primeiro momento, uma crise de saúde física, acarreta também as sementes de uma grande crise de saúde mental, se não forem tomadas medidas" (ONU, 13 de maio).
Exato. Neste momento, quase todos os discursos e práticas estão hipnotizados pela sobrevivência - a nossa e a dos outros (a menos que a solidariedade tenha sucumbido ao vírus). Palavras como desconfinamento, segunda vaga, testes, vacinas e tratamentos ocupam a boca de cena.
Embora outros temas peçam já a palavra, como a importância do contacto físico e emocional e o direito a decisões informadas dos mais velhos, que recusam ser infantilizados. Mesmo com o terno - às vezes... - álibi de ser "para o bem deles".
Não se pense que a psiquiatria e a psicologia vivem tempos desafogados. Do burnout dos profissionais de saúde ao parental, passando pelas consequências menos agradáveis do teletrabalho e o agravamento de patologias psiquiátricas anteriores à pandemia, a paleta de queixas é rica em cores sombrias. Exigindo resposta; agora.
Mas pensemos a médio e longo prazo. O professor Miguel Xavier, diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, colocou bem a questão: a saúde mental vacila nestes momentos, mas os problemas são, em geral, ligeiros e autolimitados.
Os diagnósticos psiquiátricos surgirão meses mais tarde, distúrbios depressivo/ansiosos e stress pós-traumático não faltarão à chamada. Sublinhou também a importância dos Cuidados de Saúde Primários como primeiro contacto a estabelecer, pela sua proximidade às populações. Sempre numa articulação bem oleada com os serviços mais especializados. (Mas não vale a pena esconder que essa imperiosa articulação se depara, amiúde, com falhas, por inércias burocráticas ou - o que é mais triste - diálogos difíceis entre os profissionais.)
Estaremos preparados para um apoio eficaz ao longo do tempo? Se antes da pandemia existiam carências que punham a nu a velha pecha de encarar a Saúde Mental como a parente pobre dos Cuidados de Saúde, por que milagre desapareceriam em tempos de maior exigência?
Em outubro de 2019, o mesmo professor Miguel Xavier era perentório: "O Plano de Saúde Mental precisa de apoio político". E nenhuma medida podia ficar no papel... O bastonário da Ordem dos Psicólogos desdobra-se em avisos semelhantes. Não duvido que o apoio político exista. Estou certo que com a pujança indispensável? Vagueio pelo YouTube, busco resposta honesta. Mariza resolve o problema; a sua voz eleva-se e foge pela janela escancarada - "Quem me dera!".
*Psiquiatra