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Antes de ir ao miniescândalo ridículo causado pelos jeans do primeiro-ministro à chegada a Luanda, vou começar por contar uma estória já antiga, tão antiga que a Manuela Moura Guedes ainda era uma pivot respeitada dos telejornais da RTP. Nesses anos finais da década de 80, inaugurava-se oficialmente (ainda que sem nenhuma parada militar no programa) mais uma edição da PORTEX, a feira da moda e do têxtil que muito fez pelas exportações do setor, a partir do Palácio de Cristal e da Exponor, desde 1987. Nesta época, a Sara Sampaio ainda não era nascida (snif) e imaginem que ainda nem sequer existiam agências de modelos, mas cada PORTEX era um acontecimento mediático que marcava a agenda dos telejornais e também, não raro, as agendas dos ministros e secretários de Estado das áreas da economia, mais, e da cultura, menos.
Nesta edição que estou aqui a recordar, eu já tinha substituído na gestão executiva da Organização das PORTEX o meu querido amigo Luís Ribeiro da Silva (que já nos deixou) e a RTP combinou comigo um direto da Exponor no meio dos corredores da feira para fazer um balanço dos 4 dias dessa PORTEX. Lembro-me que a feira tinha sido mais um sucesso brutal, com mais de 1200 compradores estrangeiros registados e as centenas de exportadores da ITV muito contentes com isso, mas quando entrei em direto e depois de uma ou duas perguntas normais, o que passou a ser o mais importante para a jornalista foi o facto de eu estar de sapatilhas (ténis, chamava-lhes ela de Lisboa) apesar do fato e gravata que vestia. Estava a começar internacionalmente a moda do calçado desportivo fashion, moda a que aderi imediatamente, em nome do conforto de quem era obrigado a fazer quilómetros em muitas feiras por esse Mundo fora, mas reconheço que nessa altura, uma pessoa menos familiarizada com as tendências de moda não era obrigada a conhecer. Por causa disso, o direto terminou com gargalhadas dos dois lados e estou convencido que esse episódio até acabou por ajudar a passar melhor a mensagem do êxito da feira que era o nosso objetivo principal.
Não me passa pela cabeça que o look descontraído escolhido por António Costa para viajar e desembarcar em Luanda (os tais jeans, que aparentemente escandalizaram tanto cinzentão que para aí anda) tenha sido pensado para criar propositadamente um efeito surpresa, destinado a potenciar a relevância mediática da visita, até porque não me parece de todo que isso fosse uma grande necessidade. Mas acho de um ridículo muito acima da média as leituras que já vi que imaginam o nosso primeiro-ministro a trocar o fato pelos jeans para criar um outro fato, este agora político, mas agora com c entre o a e o t. (Confesso que tenho de facto saudades da antiga ortografia...) Para o ridículo ser total só faltava mesmo que alguém viesse agora descobrir, à boleia da polémica igualmente ridícula Serena Williams/Carlos Ramos, que o nosso primeiro-ministro resolveu ir de jeans para Angola por se tratar de um país africano. Para bom entendedor...
Na próxima semana temos a Porto Fashion Week e é natural que eu possa voltar a ser convidado para intervir em direto no meio da Modtissimo, ou em plena Baixa do Porto, na noite da Fashion Week Night Out de dia 27, mas já não será a Manuela Moura Guedes a interpelar-me e tenho a certeza que o (ou a) jornalista que o fizer não vai nunca achar estranho, ou que seja notícia, eu usar sapatilhas. Eventualmente até acredito que se eu voltasse a usar fato e gravata com elas, pudesse estranhar... o fato e a gravata. Não vai faltar muito tempo para que numa próxima visita a Luanda o que cause estranheza e possa ser notícia seja o facto de algum primeiro-ministro português lá desembarcar de fato, colete, gravata - sobretudo no meio do calor angolano. Sobretudo estranharão o sobretudo, mas disto já nem o Acordo Ortográfico tem culpa.
* EMPRESÁRIO