Não haveria, em teoria, razões para que uma morte natural aos 96 anos se assumisse tão perturbadora como a de Isabel II é sentida no Reino Unido. Não é uma mera reação emocional. A estabilidade absoluta que representou é agora substituída por uma perceção de incerteza. E cabe a Carlos III, à partida tão diferente da mãe, aprender a praticar a sua neutralidade e interpretar o rumo a seguir num tempo de convulsões e de mudanças.
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A monarca mais reconhecida do Mundo foi também a mulher que recebeu, em audiências semanais, 15 primeiros-ministros britânicos e tratou questões de Estado com 12 presidentes dos Estados Unidos da América. Mas não deixou nenhuma ideologia, sendo precisamente essa uma das principais razões que a tornam tão global e importante junto do seu povo.
Com uma missão definida por uma constituição que lhe exigia pouco mais do que existir, sublinhou um dia que no seu cargo trabalho e vida não podem de todo separar-se. Esse cruzamento tão estreito conduziu-a a uma forma reservada de desempenhar o seu papel, que lhe permitiu interpretar as nuances dos tempos e reagir com dignidade e firmeza às tempestades. Perdeu um império e sofreu abalos familiares sucessivos sem perder a compostura.
Quando se chegou a anunciar o descrédito da monarquia, Isabel II soube aproximar-se das pessoas. Sem nunca ceder à tentação da exposição e do mediatismo, apesar de a sua coroação ter sido um dos primeiros acontecimentos televisivos à escala mundial. Num mundo sedento de líderes ou repleto de líderes sem atributos, conseguiu manter intactos valores e princípios que a tornaram um símbolo da monarquia.
A mulher cujos diários revelarão seguramente infindáveis segredos, quase inacessível, foi a mesma que tomou chá com o urso Paddington, marcando as celebrações dos 70 anos de reinado, num momento divertido e carinhoso. No final do encontro com a soberana, a famosa personagem da literatura infantil agradeceu-lhe "por tudo". E tudo são 96 anos de história.