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Vale a pena esmiuçar os números do televoto do Festival Eurovisão da Canção 2024, realizado com um certo estrépito em Malmö, Suécia, no passado sábado 11. Dos 37 países concorrentes, 14 (além da categoria destinada a votantes do resto do Mundo) atribuíram o primeiro lugar a “Hurricane”, a canção que representou Israel, interpretada por Eden Golan. Sete colocaram-na na segunda posição. E três deram-lhe o derradeiro lugar do pódio. No caso português (e não só: o mesmo sucedeu com Itália, San Marino, Espanha e resto do Mundo), o público eleitor colocou o tema ucraniano em segundo lugar, logo atrás de Israel.
Sem desprezar as virtudes ou defeitos das canções em apreço, e não esquecendo que se trata de um escrutínio telefónico, é muito difícil não ver nestes resultados uma clara dimensão simbólica. Se se quiser, uma mensagem. A União Europeia de Radiodifusão, que organiza o festival, quer distância dos altos e baixos da política. E procedeu bem, ao barrar a entrada na Malmö Arena a bandeiras de nações fora de concurso. Mas numa coisa estão errados: sim, há uma versão suave de política, geoestratégia, toma-lá-dá-cá diplomático e cultural no Festival Eurovisão da Canção. Quando a Turquia frequentava estas paragens, a vitória da sua canção na Alemanha era garantida. Os 12 pontos do televoto de Chipre seguem amiúde para a Grécia e vice-versa.
A diferença, desta vez, é que se tentou transformar um concurso de canções, vibrante e multicultural, num comício de fanáticos. O que o resultado do televoto sugere é um significativo desfasamento entre uma ampla maioria de votantes europeus e a estratégia da gritaria, da ameaça, do antissemitismo – em Malmö, nas ruas de Londres, em universidades americanas e britânicas – que tomou conta da realidade mediática.
É também por isto que Fahree é um homem de sorte. Ele levou à Suécia “Özünla Apar”, em representação do Azerbaijão. Não passou das semifinais, mas parece ter sido poupado a provocações. Uma distração incompreensível dos ativistas das Causas Nobres, sabendo-se da limpeza étnica de arménios em curso em Nagorno-Karabakh. Nem uma Greta a vociferar, nem uma Bambie Thug a chorar, nem cantores malcriados da Grécia e dos Países Baixos, nem sequer um equivalente têxtil arménio do keffiyeh.