Florestas: instituições fortes, alinhamento e persistência
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Os incêndios ocorridos, em 2025, não são os piores das últimas três décadas; em 2003, arderam 472 mil ha; em 2017, arderam 540 mil ha. Todos refletem tragédias que não podem ser ignoradas. Porém, grave é, também, o facto de esta afirmação poder ficar desatualizada até ao final do ano.
Algumas das análises mais lúcidas que tenho ouvido, a propósito deste flagelo que assola sobretudo os territórios rurais e do Interior, vêm de vozes exteriores ao setor florestal, das áreas da economia e da gestão, talvez porque a sua distância ao objeto de análise, e algum desconhecimento do tecido institucional e organizacional, que lhe é inerente, lhes facilite a clarividência dos diagnósticos e propostas. Pois é aí que muito se complica. O sistema institucional e organizacional das florestas (onde o risco de incêndio é uma das componentes) permanece instável, pouco robusto e desalinhado. Atente-se nas reformas das últimas décadas.
Pós-incêndios 2003, seguiu-se a Reforma Estrutural das florestas: criou-se um fundo de investimento imobiliário florestal público-privado (extinto), o Fundo Florestal Permanente (extinto), a APIF -Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais (extinta), um modelo de gestão agrupada, as ZIF, e formaram-se gabinetes florestais nos municípios.
Pós-incêndios 2017, seguiu-se a Reforma das Florestas: criou-se uma Empresa Pública - Florestgal; a AGIF - Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais, um novo modelo de gestão agrupada; as AIGP; e formaram-se gabinetes florestais nas comunidades intermunicipais, CIM.
Comparando, não é abusivo concluir que diferentes governos, com nuances ideológicas, apresentaram respostas similares. Mas incorrendo em falhas importantes, nomeadamente:
1) Falta de robustecimento institucional: os modelos organizacionais e institucionais criados não foram sujeitos a melhorias incrementais, resultantes de avaliações transparentes e escrutináveis, o que levou à extinção ou enfraquecimento de diversas estruturas.
2) Ausência de reforma na autoridade florestal nacional: o ICNF, com raízes históricas desde 1824, sob o nome de Administração Geral das Matas do Reino, com obra valiosa, em tempos idos, não foi reestruturado, mantendo-se uma instituição criada para contextos territoriais, sociopolíticos e económicos muito distintos dos atuais.
3) Desconsideração do nível regional: em ambas as reformas, a importância das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) não foi devidamente considerada.
4) Desvalorização da qualificação da força de trabalho: não se atribuiu, com incentivos capazes, às instituições de ensino universitário, politécnico e profissional, sobretudo às do Interior do país, a responsabilidade de qualificar e aumentar a força de trabalho disponível.
Ambas as reformas defendem a gestão florestal agrupada e a descentralização da prevenção e combate a incêndios, consolidando o nível sub-regional das CIM como de referência para planeamento e comando. Porém, há desalinhamento institucional, expresso pelas corporações de bombeiros, que poderia ser superado com uma renovada estrutura de incêndios, dotada de autoridade nacional e ancorada na Presidência do Conselho de Ministros, garantindo alinhamento estratégico e operacional em todo o território.
Uma nota sobre duas instituições inovadoras e promissoras: o Forestwise, que integra conhecimento académico e prático de diversas entidades; e a AGIF, cujo modelo de planeamento adaptativo multinível propõe a subsidiariedade territorial. É recomendado acompanhá-las para evitar a recorrência de falhas anteriores.
Para último, deixo o investimento. Em 30 anos de gestão centralizada dos Planos de Desenvolvimento Rural (PAC), a componente das florestas nunca foi executada a 100%.