Enfrentamos agora uma fase de intensas dúvidas sobre a Justiça, centradas, sobretudo, na forma como nós, cidadãos, nos relacionamos com essa mesma Justiça. Exigimos tudo a que achamos ter direito mas esquecemos muitas vezes as responsabilidades que acompanham essa exigência.
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Designações como "Operação Marquês" ou "Operação Cartão Vermelho" e protagonistas como Berardo, Sócrates ou Salgado entraram no nosso dia a dia e colocam-nos frente a frente com a máquina judicial. As "novas" ferramentas digitais abrem-nos portas e dão-nos a capacidade, talvez mais do que em algum outro momento da História, de saber mais e de intervir.
Esta visão sem barreiras sobre a Justiça, uma característica da democracia, tem quer ser encarada de forma responsável por nós, enquanto cidadãos. Culpar os políticos e a própria Justiça pelas falhas é mais do que tudo uma falha nossa enquanto cidadãos. Temos que conhecer os nossos direitos mas também as nossas responsabilidades.
Em muitos dos casos recentes, as reações públicas transformaram decisões judiciais, muitas vezes prévias ao julgamento, em lacunas da Justiça, em permissividade e até em falsa absolvição. Uma confusão de conceitos que é, antes de mais, uma falha. E que não podemos atribuir aos outros!
A nós, apesar da aparência de meros espectadores, cabe-nos a responsabilidade de ser cidadãos. E isso significa que não podemos permitir que se misturem funções e conceitos. Porque, ao abdicarmos dessa responsabilidade, permitimos que cresça o sentimento de impunidade e de injustiça.
Enquanto cidadãos, não nos podemos deixar condicionar pela atenção que os meios de comunicação, ou pelo menos alguns deles, dão aos assuntos e muito menos considerar que aquilo que surge no nosso Facebook é toda a informação disponibilizada. Convém não esquecer algo simples: o Facebook mostra-nos aquilo que nós habitualmente lemos e não o que achamos que devíamos ler.
Culpar os meios de comunicação por apenas noticiarem o que não interessa é um falso protesto! Na verdade, somos nós que fazemos o nosso mural, e atribuirmos a culpa aos outros por aquilo que é, sobretudo, nossa responsabilidade é abdicarmos da cidadania.
Edgar Morin, ao falar da pandemia, resume bem as circunstâncias que bem podiam ser aplicadas igualmente ao momento que vivemos na Justiça: "A crise deixa-nos mais loucos e sábios. Uma coisa e outra. A maioria das pessoas perde a cabeça e outras ficam mais lúcidas. A crise promove as forças mais contrárias. Desejo que sejam as forças criativas, as forças lúcidas e as forças que procuram um novo caminho as que se imponham, embora ainda estejam muito dispersas e fracas. Nós podemos indignar-nos com razão, mas não devemos trancar-nos na indignação".
*Jornalista