Crises governamentais, processos judiciais envolvendo titulares de cargos públicos, insegurança nas ruas, protestos no setor da educação ou até o crescimento de movimentos populistas em Portugal têm uma ligação comum: são também consequência do fraco, ou até mesmo inexistente, sentido de serviço público.
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Ao longo dos quase 50 anos que vivemos após o Estado Novo, nunca conseguimos fazer vingar um pilar fundamental da sociedade que pretendíamos criar e sobre a qual tantas vezes nos vangloriamos. Anunciamos com orgulho a conquista da democracia, a recuperação económica ou mesmo o aumento da literacia. Fomos até capazes de criar um Serviço Nacional de Saúde que anunciamos como um grande triunfo, porém nunca conseguimos olhar com orgulho para as pessoas que nele exercem funções.
E agora, porque falhamos, cada vez mais pagamos o respetivo preço.
Os serviços públicos, sejam eles da área da saúde ou das finanças, sejam as escolas ou as autarquias, são olhados com o desdém com que se olha os indolentes e preguiçosos. E, em vez de orgulho, temos vergonha.
Foi esse desdém que matou e continua a afundar o nosso serviço público, substituído muitas vezes pela glória da pertença a grupos políticos.
É por isso que continuamos a encolher os ombros quando se noticiam mudanças nos dirigentes de serviços públicos motivadas pelas cores partidárias. Encaramos com cada vez maior normalidade que técnicos camarários atuem de acordo com os interesses do partido que comanda a autarquia ou que inspetores tributários recebam ordens para não incomodar as empresas, de forma a não aumentar a contestação política.
A responsabilidade é nossa, enquanto sociedade, mas uma parte relevante dessa mesma responsabilidade cabe aos próprios titulares das funções, incapazes de lutar contra o fosso em que se afundavam e sempre mais preocupados em lamentarem-se ou em atribuir culpas a terceiros.
*Editor-executivo-adjunto