A animação ao pôr do sol tornou-se há já uns quantos anos uma espécie de via alternativa às noitadas de copos e dança. (Chame-se-lhe sunset, que é familiar q.b., além de se poupar aos carateres e ser palavra que sai sibilante da boca.)
Corpo do artigo
O conceito bate fundo a uma vasta clientela. Calha bem a gente de uma certa idade. É a solução certa para quem não tem vocação, profissão ou situação familiar que permitam um estilo de vida em que as noites se derramam em dias que se derramam em noites que se derramam em dias, numa espécie de síndrome da mudança de fuso horário (chame-se-lhe jetlag, que é familiar q.b., etc.) hedonista alucinado. Delicia todos os que entendem que a música soa mais completa quando conversa com os corpos ao ar livre, à hora das gaivotas, entre o sol e as estrelas, pagão, sem fumo, a um passo do mar ou do rio, nas montanhas ou planícies, no coração das cidades.
Nestes dias, além de via alternativa, os ajuntamentos sunset - sentados, distanciados - são uma via de sobrevivência para algumas das atividades de lazer e culturais mais afetadas pela pandemia. Há bares já equipados de origem para a modalidade e há quem atravesse o segundo verão em engenhosas adaptações.
Os sunset conseguem, apesar de tudo, oferecer a experiência mais completa e próxima do tempo anterior. Os horários alargados até às 2 horas, em vigor desde o início de agosto, oferecem pouco mais do que um aperitivo, preliminares das maratonas noturnas - mas também podem ser uma chance para reativar o coração e os pulmões de bares, clubes e discotecas essenciais para a ecologia da vida em comunidade tal como ela se conhece; assim o código de Classificação das Atividades Económicas certo o permita, as mesas no lugar de pistas de dança.
(Já agora, falta ainda perceber como vai ficar a relação com os sons dançáveis, feitos para o movimento e que já vão em um ano e meio de, na melhor das hipóteses, música para gente sentada. Ainda é demasiado cedo para concluir se o cenário é apenas passageiro, economia de guerra, ou se isto de escutar um DJ numa posição de eterno relaxamento é uma realidade nova com pés para não andar.)
Para este jogo entre crepúsculos bons (os sunset, claro) e crepúsculos maus (o apocalipse da cultura noturna) o próximo movimento está marcado para outubro, quem sabe antes. Com certificados digitais, testes negativos, máscaras, bom senso.
E se os parágrafos acima soarem, afinal, a efeitos da abstinência de um tempo que nunca mais regressa... Sim, também é isso.
Jornalista