Corpo do artigo
O elétrico amarelo de Lisboa parou, e com ele, o pulsar da cidade. O eco do acidente é uma ferida aberta no coração de um povo que aprendi a amar. O meu vínculo com Lisboa não é turístico, mas uma conexão forjada na "doçura portuguesa do viver amorriñado", como escrevi no meu poema "Credo de Portugal". É a serenidade do fatalismo que partilhamos os galegos, uma fé inabalável na capacidade de nos superarmos, sem dramatismo, com a confiança de quem sabe que a vida continua o seu percurso.
Neste momento de dor, o meu coração dirige-se aos lisboetas, a esses filhos da cidade que Fernando Pessoa imortalizou. O meu abraço é profundo e respeitoso, e nele incluo o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o grande autarca de Lisboa, Carlos Moedas, personalizando neles a minha solidariedade para com todos os portugueses. Penso também nos meus amigos portugueses e nos galegos que criaram raízes em Lisboa, como o saudoso Manuel Cordo Boullosa de Ponte Caldelas, ou em empresários visionários como Amancio López Seijas, que todos os anos unem Espanha e Portugal através do pensamento e da concórdia no Foro La Toja. Eles representam a alma que se recusa a viver de costas voltadas, essa expressão tão carregada de melancolia que hoje é coisa do passado entre nós.
O Elétrico de Amália
A canção a que me referia não é apenas uma metáfora. É a própria vida que continua. O meu elétrico, o dessa canção, percorre todos os dias a cidade, entre a casa de Amália Rodrigues e a sua campa, numa viagem de profundo respeito. E os lisboetas, num gesto de homenagem silenciosa, enchem-no de cravos, como flores vermelhas de um passado de resistência que não se esquece. Este elétrico é o símbolo da memória ativa de um povo que, mesmo na dor, não deixa de florescer.
A vida e a obra, a história e a memória, são o mesmo rio. E a melhor forma de demonstrar o nosso afeto é continuarmos a caminhar juntos. A recuperação deve ser tão rápida como a beleza de um azulejo. Que este momento não trave o caminho. Que o elétrico da vida, ao seu ritmo, nos recorde que mesmo no trajeto mais difícil, há esperança e uma canção que nos eleva, a da eterna Amália.
Tudo deve continuar: o turismo, os negócios, a arte... Porque a melhor forma de demonstrar o nosso afeto é continuar a estar lá, juntos. Um grande abraço a todos.