Agora que já insultaram Greta Thunberg de tudo e mais alguma coisa dará para discutir as questões do clima com seriedade? A generalizada incapacidade para se lidar com determinados assuntos instala um cinismo que procura abater o mensageiro em detrimento do esforço honesto para assumir a mensagem e suas implicações.
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Importa menos se Greta é precoce, nervosa, se sofre de um grau ligeiro de autismo, como são seus pais e se vai ser presidente do seu país no futuro. Disse nenhuma mentira, não é uma criança, é uma jovem, e de precoce tem apenas o facto de não ser parva, enquanto a maioria dos jovens parecem ser mantidos numa infância obscena com jogos e entretenimentos que lhes atrasam a maturidade e a responsabilização. Greta tem, sim, o direito de perguntar como nos atrevemos a perigar o Mundo em que terá de viver. Tem o direito de levantar a voz, acreditar em algo, defender aquilo em que acredita.
Gritante é que a Imprensa se perca no fait-divers do ataque à jovem e não à convocação dos cientistas que nos parecem avisar vezes sem conta acerca dos riscos de certo fim do Mundo. Não me sinto minimamente informado. A verdade é essa. Com alertas constantes, tantas vezes nos disseram que o buraco do ozono ia fulminar toda a gente, que o aquecimento do planeta haveria de afundar as cidades costeiras, que bastaria o degelo da Gronelândia para isto ruir, e nada. A Gronelândia passou por verões inusitados e, afinal, Londres continuou impávida acima das águas. Eu quero muito saber, afinal, o que há para saber. Porque a avidez por um crescimento económico sem limites está a destruir tudo o que vemos, falta entender se, naquilo que não se vê, se traduz na devastação inequívoca do planeta.
Assim, que bom que Greta Thunberg existe e que soube mobilizar as atenções de todos para a questão climática. Agora falta apenas que todos se distraiam menos com a maldadezinha de mesa de café e se exerça pressão para que governos e Imprensa se vejam obrigados a informar do verdadeiro perigo e da pressa que é preciso ter.
Só não reparou no alarve do capitalismo quem não quer. Se o capitalismo se destruirá a si mesmo, talvez me interesse quase nada. Agora, se a indústria que toleramos todos nos faz doentes e leva a curto, médio ou longo prazo ao fim dos recursos do planeta, exterminando espécies e inviabilizando ecossistemas inteiros, isso já me interessa. Porque a questão moral que se coloca não pode ser ignorada, e eu não gostaria de passar à morte compactuando com uma geração de imbecis desimportados com legitimar as vidas que se seguem.
Escritor