Projeto em Montalegre é dos mais adiantados do país. Este sábado há vigília contra "agressão ambiental". Nova lei é "permissiva para empresas" e "lesa populações", dizem os ambientalistas.
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"É uma dor de alma", diz José Carlos Castro, agricultor, 40 anos, que olha os seus terrenos e faz a cara carregada. "Tudo isto, esta maravilha que é Património Agrícola Mundial das Nações Unidas, vai desaparecer se vier a mina de lítio. E isso nunca vamos permitir". Ele repetirá o esgar quando lhe perguntam se é ali, no campo dourado de belas árvores onde pastam os seus animais e há javalis, veados e voam ao alto águias reais, que vai haver uma cratera de 800 metros de diâmetro e 40 de fundo. "Desgraçadamente, é".
Ali é Carvalhais, povoado ao lado de Morgade, a aldeia onde a Lusorecursos quer instalar uma exploração de mineração de lítio que ocupará 825,4 hectares do concelho de Montalegre. É uma das 11 zonas do país com lítio, o metal precioso das baterias de carros elétricos e smartphones, e é das mais adiantadas, juntamente com Boticas, também distrito de Vila Real, e em Argemela, Castelo Branco. O contrato para Montalegre, já assinado, prevê a tal cratera a céu aberto e minas de galerias subterrâneas, com ação de maquinaria pesada e explosões, além de uma unidade industrial de refinação do minério em pó branco.
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"Tenho 80% dos terrenos na zona da exploração. Não os vendo, mas posso ser expropriado", diz José Carlos Castro, que tem ao lado António Nogueira, outro agricultor com 50 hectares aráveis que se diz "de Esquerda e humanista, mas muito desiludido com o desígnio do PS". Os dois não sabem os valores a oferecer pelos terrenos, só repetem rumores: de 25 cêntimos a 1 euro por m2 de terra. "Mas não sabemos se é verdade". São indiferentes à hipótese do Eldorado e dos milhões. "Eldorado é o que temos aqui e que querem destruir", diz fulo o agricultor Castro.
"Não à mina, sim à vida"
A aldeia, "e mais umas 50 à volta daqui", diz agora Armando Pinto, estão pejadas de tarjas postas em postes, telhados e paredes que gritam, a vermelho e preto: "Não à mina, sim à vida" e "Juntos venceremos". Ele é presidente da Montalegre Com Vida, associação com 250 sócios, e milhares de seguidores no Facebook, que há mais de um ano está em "ação cívica de contestação" ao lítio. "Também metemos uma ação no Tribunal Administrativo de Mirandela a denunciar incongruências do contrato da Lusorecursos", diz.
"Onde se instala, o lítio destrói tudo por dezenas de anos, deixa um lastro de destruição, somos obrigados a lutar", junta Teresa Dias, vice de Pinto, montalegrense, professora como ele, avessa à mineração. Eles contestam a lei 54/2015, do tempo do Governo PSD/CDS, que Teresa diz ser "permissiva para as empresas" e que "lesa gravemente ambiente e populações". É a mesma opinião dos ambientalistas do SOS Serra de Arga (ler ao lado), outro movimento que luta contra a mina de lítio prevista para o concelho de Viana.
Câmara "do lado do povo"
Politicamente, a exploração de lítio ali é uma dor de cabeça para o presidente da Câmara de Montalegre, Orlando Alves, que cumpre o 1.º mandato e anuncia ao JN a recandidatura em 2021. "Estou entre dois fogos", diz. Por um lado, sendo socialista, terá dificuldade em ir contra "o desígnio nacional do lítio", cumprindo-lhe "defender o desenvolvimento da terra, a entrada de novos investimentos, novos empregos, fixação de novos habitantes" - e recorda que, em 50 anos, a terra passou de 32 mil para dez mil pessoas. Mas, por outro lado, diz, "tenho de estar ao lado do povo, que me elegeu, e o povo é largamente contra a exploração mineira".
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À espera do Estudo de Impacto Ambiental, de cujo resumo técnico já se sabe que "trará impactos negativos a nível da paisagem, clima, qualidade do ar, água, flora e fauna", mas que serão "minimizáveis", segundo a Lusorecursos que o encomendou e pagou (o estudo está pendente de pormenores pedidos pela Agência Portuguesa do Ambiente), o autarca encomendou por seu lado dois pareceres. Um virá de técnicos da Universidade Nova de Lisboa, sugeridos pela Montalegre Com Vida; e outro será da Universidade do Porto. "Mas, se tivesse de decidir hoje, era um rotundo não à exploração", diz. O autarca não irá hoje à manifestação/vigília. "Não fui convidado", queixa-se.
A manifestação, convocada pela Montalegre Com Vida, é hoje à tarde no local edílico que a cratera vai esventrar. Haverá discursos e panfletos e vão plantar-se árvores nos 100 buracos abertos na prospeção. "É a nossa enésima ação. Mesmo com pandemia, vamos mostrar que a luta não esmorece e que estamos juntos contra a terrível agressão ao nosso ambiente e ao nosso povo", conclui Armando Pinto, que repete o seu slogan "juntos venceremos" a lançar o punho no ar.
"Nova lei tira poder às câmaras" e "não protege pessoas nem ambiente"
A lei 54/2015, do Governo Passos Coelho, lançou "bases do regime jurídico de revelação e aproveitamento de recursos geológicos no território nacional". Já no atual Governo, foi submetida à consulta pública, que terminou em julho, o projeto de decreto-lei que vai regulamentar a atividade mineira. "Como está, não protege as populações nem o ambiente", diz ao JN Ludovina Sousa, do movimento cívico SOS Serra de Arga. A especialista é muito crítica: "A lei é má e abre campo a abusos das empresas, com coimas pouco pesadas. Não proíbe taxativamente explorações em zonas protegidas, classificadas ou da Rede Natura, desvalorizando instrumentos de gestão local, como PDM. Mais: diz que os pareceres das câmaras têm poder vinculativo, exceto em concurso público - mas tudo vai ser feito em concursos do Governo". Pior, diz ainda, "o perímetro de segurança é curto e permitiria explorações a 1 km de povoações, o que é pouco para crateras a céu aberto". Também a Zero, associação ambientalista, "condena a lei, que não protege áreas sensíveis", alertando, em comunicado, que a última palavra caberá sempre à DGEG - Direção-Geral de Energia e Geologia, "que pode ultrapassar pareceres negativos".
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Lítio: remédios e baterias
O lítio é o metal mais leve de toda a tabela periódica e tem metade da densidade da água. O minério prateado, que depois de transformado fica em pó branco, começou a ser usado em 1923, na cerâmica e medicina (doença bipolar). Ganhou preponderância na atualidade como suporte de armazenagem de energia renovável e na produção de baterias para carros elétricos, computadores e telemóveis - acolhem mais de metade da produção mundial.
Portugal é o 6.º do Mundo
O Serviço Geológico dos EUA diz que Portugal é o 6.o país do Mundo com maiores reservas de lítio e o melhor da Europa (60 mil toneladas). Chile, Argentina e Bolívia detêm 80% das reservas mundiais. China e Austrália são outras potências.
Tira-se em galeria e cratera
O lítio é extraído em galerias subterrâneas ou crateras a céu aberto com equipamento pesado que saca a rocha do solo. O mineral não existe na natureza em estado puro, explorando-se jazigos minerais de petalite, espodumena ou lepidolite. É a partir desses compostos que se obtém, com químicos, o hidróxido ou o carbonato de lítio.
Porque é que é polémico?
O lítio em si não é perigoso, mas o método de extração industrial, com recurso a grandes máquinas, pode ser devastador para os locais, interferindo na paisagem, clima, recursos hídricos, qualidade do ar e afetar ainda a flora e a fauna.