Aos primeiros sinais de alarme, grupos (sobretudo) populares, sem outro interesse que não a defesa da sua região, armaram-se como puderam para lutar contra a mineração de lítio.
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E organizaram-se grupos de pessoas que não são só ambientalistas por convicção, mas do coração, pela defesa de um território que acreditam que vai mudar para pior após a chegada das máquinas de mineração.
Armam-se especialmente de palavras e enfrentam ministros, fazem manifestações ruidosas e lutam no tribunal, como podem, pelo respeito que consideram que a sua região merece.
Para já, vão ganhando cada vez mais adeptos. A mineração prevista concentra-se, em especial na zona Norte e Centro do país e já existe cerca de uma dezena de movimentos, que ganham força e expressão (quase) semana a semana ou de cada vez que o processo de mineração dá um passo.
E este ano poderá ser decisivo para o avanço da exploração de lítio em Portugal. E também promete muita contestação por parte dos que se opõem, sobretudo por causa das alegadas consequências ambientais e de saúde pública.
Na forja
O Governo está a preparar o lançamento do concurso público para sete das nove áreas identificadas no país devido ao seu potencial. As duas que ficam de fora são as de Montalegre e Boticas, às quais já foram atribuídas licenças de prospeção. Na primeira está em avaliação um estudo de impacto ambiental para determinar se é possível avançar com a exploração.
Os movimentos cívicos e associações que se opõem às minas de lítio no Norte e Centro estão cada vez mais fortes e ativos, prometendo fazer tudo o que estiver ao seu alcance para as travar. No mês passado, cerca de duas dezenas enviaram uma carta aberta ao Governo com um pedido urgente para reclamar "transparência e participação pública" nos processos.
No Barroso, a Associação Montalegre com Vida já recorreu ao tribunal e pode promover um referendo. O movimento cívico SOS Serra d"Arga vai ser ouvido, no dia 11, na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território da Assembleia da República. Em cima da mesa estará a petição contra a prospeção de lítio no Alto Minho.
Aos movimentos cívicos e associações junta-se o Partido Ecologista Os Verdes, que recentemente alertou que zonas protegidas e classificadas como Rede Natura estão cercadas pelas áreas que o Governo quer concessionar para prospeção e pesquisa de lítio e outros minerais.
"A água que vai da serra é que alimenta as freguesias"
Manuel Paula, de 70 anos, habitante de São Lourenço da Montaria, em Viana do Castelo, recorda as minas de volfrâmio, ouro e estanho, que existiam ao redor da serra d"Arga quando era criança. Diz que a exploração mineira até aos anos 60, numa primeira fase por empresas de Inglaterra (I Guerra Mundial) e mais tarde pelo Estado português, marcou a história da região.
Membro do movimento contra o lítio SOS Serra d"Arga, Manuel lamenta que a atividade não tenha gerado mais do que "buracos" ainda hoje visíveis por todo o território. "Quando foram embora para África, o que deixaram foi miséria", diz justificando a sua luta com a necessidade de se preservar a água que abastece a população serrana. "Não queremos cá minas a céu aberto, porque é a água que vai da serra d"Arga que alimenta a aldeia de São Lourenço. E não só, muitas das freguesias vizinhas também, porque não há rede de água pública em parte de Meixedo, Vilar de Murteda, Montaria, Amonde, Nogueira, Orbacém e Soutelo", reclama.
Carlos Seixas, porta-voz do SOS Serra d"Arga, afirma que "o que está a concurso é toda a zona da serra d"Arga exceto o maciço central", e que o eventual regresso da mineração "vai pôr em perigo toda a sua estrutura social e económica e o património cultural e histórico". "Queremos desenvolvimento mas como deve ser, sustentável e credível. Não é a fazer buracos", defende, salientando: "A população não foi tida nem achada".
Teresa Fontão, 66 anos, geóloga reformada, abraçou a causa por acreditar que a mineração pode ter consequências gravosas. "Eles que pensem duas vezes ao darem-nos com esta do lítio para servir de desculpa a escavarem o país todo, porque esta zona, a de Trás-os-Montes e a das Beiras, que estão a pensar esburacar, é de onde lhes vem a água e o que põem no prato", diz.
"Lutaremos para que a Argemela fique intocável"
Corria o ano de 2017 e as aldeias que acordam todas as manhãs a olhar para os montes da Argemela, no Fundão e Covilhã, foram surpreendidas um dia com a ameaça de prospeção de lítio naquela serra que conserva rochas turquesas e lendas, onde se ergue um castro e testemunhos da presença romana. "Não pode ser", respondeu a população, mais especialistas e depois 18 presidentes de junta e os dois autarcas da Covilhã e Fundão.
Foi nesse ano assim criado o Movimento pela Preservação da Serra da Argemela (GPSA). A plataforma é uma mobilização social, apartidária, sem fim lucrativo e por tempo indeterminado, com o objetivo fundamental de defender e de proteger os interesses ambientais, saúde, económicos, patrimoniais e culturais das populações afetadas pelos pedidos de exploração mineira. "Não está em causa a exploração, mas o facto de ser a céu aberto. Isso acarreta enormes prejuízos ambientais, em vários domínios e por sequência no tempo", descreve Alfredo Mendes, engenheiro agrónomo. "Sou do Barco e não imagino, como ninguém que aqui vive ou quer viver que se danifique o monte que é identidade de um território. As pessoas cresceram a ouvir histórias e lendas da Argemela", diz.
O GPSA contestou formalmente, foi ouvido na Comissão Parlamentar do Ambiente acompanhado dos autarcas do Fundão e Covilhã, reclamou nos gabinetes e na rua à medida que os planos para a exploração iam sendo refeitos. "O que nos valeu foi termos pessoas no movimento, cerca de duas dezenas, com várias formações, entre as quais em Direito", frisa Alfredo Mendes, que não descansa. "Reclamámos recentemente do pedido de concessão mineira que abrange cerca de 400 hectares. Enquanto não virmos preto no branco que não haverá exploração, iremos lutar para que a Argemela fique intocável", garante.
Processos em tribunal e referendo para travar mina
Os dias de incerteza sobre a instalação de uma mina de lítio passam frios na zona de Morgade, Montalegre. Mas a temperatura do ar não arrefece a luta da Associação Montalegre com Vida. Promove manifestações, ações de esclarecimento de aldeia em aldeia, tem um processo em tribunal e outro preparado para avançar caso o primeiro falhe, e admite promover um referendo concelhio.
A consulta popular "será uma última cartada a ser jogada", adianta o presidente da associação, Armando Pinto. "Se no referendo, previsto na Constituição, o povo votar contra a mineração no concelho, a decisão é vinculativa", frisa, assegurando que "jamais" vão baixar os braços contra o projeto mineiro que poderá pôr em risco a saúde e a economia da região.
A preocupação não se centra só no projeto da Lusorecursos Portugal Lithium, que aguarda parecer da Agência Portuguesa do Ambiente para o Estudo de Impacto Ambiental. Armando Pinto diz que há "sete pedidos de prospeção para o concelho", o que corresponde a uma área de "80%". "Neste momento o problema é de Morgade e de Sarraquinhos, mas dentro de algum tempo pode ser da maior parte das freguesias". Até porque "se a Lusorecursos quer construir uma refinaria em Morgade, ela não se alimentará só com uma mina. Vai ter de servir outras e importar material de outros locais".
A associação, cujos alicerces começaram há um ano, está "cada vez mais forte". Conta com "cerca de 300 associados", mas "podiam ser mais". "Estamos num meio pequeno. Muitos não querem dar a cara por medo de retaliações e dão o contributo de outra forma", revela Armando Pinto.
Entretanto, "investigadores universitários com provas dadas" estão a realizar um estudo, que será pago pela Câmara de Montalegre, para revelar o impacto que poderá ter a instalação da mina do lítio.
Pormenores
Impacto ambiental - A comissária europeia Elisa Ferreira assegura que a exploração de lítio em Montalegre e Boticas tem de "garantir que o impacto ambiental é reduzido e compensado" para respeitar as regras europeias.
Prémio Nobel - Portugal é dos países mais rico em lítio, o "petróleo" dos carros elétricos e o material das baterias de telemóvel que foi Nobel da Química. Mas há suspeitas de danos ambientais e corrupção.