Se os homens não se medem aos palmos, os bois não se avaliam pelo tamanho. No início do Campeonato de Chegas de Bois de Montalegre, os mais pequenos mostram que o que lhes falta em estatura, sobra-lhes em audácia.
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Coto venceu Bonito e Garoto derrotou o bicampeão Gancho, relançando o entusiasmo para o campeonato deste ano. Até Agosto, todos os fins-de-semana, o "Chegódromo" enche-se para ver as lutas de bois.
Barrosões de raça pura, criados e engordados para as lutas, estes animais simbolizam uma tradição que meia dúzia de criadores teima em manter viva. Já não são bois comunitários, alimentados por toda a aldeia para combater os das localidades rivais, mas um passatempo que tem tanto de paciência como de despesa.
Lento a crescer e de apetite voraz, um boi barrosão demora cinco, seis anos até atingir a plenitude do seu vigor e come 200 euros por mês em ração. Ainda que as técnicas de fertilização o tenham tornado dispensável à criação e as outras raças sejam mais rentáveis, o boi barrosão é um património que os montalegrenses se orgulham de preservar.
Diz-se por terras de Montalegre que os criadores chegam a tratar melhor os bois do que os familiares. Exageros à parte, é visível o carinho que une os homens a estes animais. Acácio Santos Lopes apresenta o seu Gancho: 900 kgs de carne, um cachaço de fazer inveja, 11 anos a completar no dia 22 do próximo mês, dois títulos de campeão. Um currículo invejável, que o valoriza na praça.
Gancho já deu muitas alegrias ao dono, mas não este ano. Foi derrotado logo na primeira eliminatória (em sistema "bota fora"). O autor da proeza chama-se Garoto e fez valer a força dos seus cinco anos à experiência do bicampeão. Tem novo combate marcado para breve, o que significa facturar mais 500 euros (prémio por cada participação).
Já na primeira luta, Bonito - um possante animal de cinco anos, 800 kgs de peso e um impressionante par de cornos - fora batido por Coto, mais novo, mais pequeno e elegante (pesa pouco mais do que uns elegantes 700 kgs).
Depois de ter sido preso ao tronco, onde as galhas foram afiadas com cuidados de manicura, Bonito foi transportado como um grande atleta até ao "Chegódromo". José Paulo Silva, o dono, de 23 anos de paixão pelos touros, estava esperançoso na vitória, mas já tinha dois outros bois a crescer para não ficar sem alternativas, caso o combate não corresse bem. Bonito entrou bem. Bramiu com fúria, raspou os cascos na terra molhada, marcou território e esperou pelo adversário.
À volta da arena, nem a chuva miudinha e os oito graus que "engarinhavam" (gelavam) até aos ossos afugentavam os verdadeiros afeiçoados da arte de lutar com as galhas do boi barrosão. Em directo, um jornalista local fazia o relato.
Coto (assim chamado por ter os cornos rombos) entrou em cena. Durante alguns minutos, os animais miraram-se, mediram forças e apuraram estratégias de combate. Até que se pegaram. Primeiro a medo, depois com mais vontade. A força de Bonito parecia estar a impor-se quando Coto, com uma série de ataques rasteiros, pôs o inimigo a fugir. José Miguel, o orgulhoso proprietário do animal, comentava: "O tamanho não é tudo". Está visto que não.
O vencedor estava escolhido. O primeiro a fugir, perde. Não há segundas oportunidades. Se a ameaça de José Paulo Silva se cumprir, de Bonito, agora, só devem restar bifes de origem certificada.
Até 13 de Agosto, data da Feira do Prémio (onde os criadores vão exibir o gado), há diversas chegas. Com o bicampeão afastado, ninguém arrisca prognósticos.