Manifestação de protesto da Secção de Fado, que recusou atuar na Sé Nova de Coimbra, juntou 10 mil pessoas na Sé Velha, local chumbado pela PSP para a Queima das Fitas
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Cristiano Marques chegou às escadas da Sé Velha às seis da manhã de ontem, quinta-feira. O finalista de Medicina, que há 23 anos nasceu em Penafiel, foi o primeiro, juntamente com dois colegas do curso, a sentar-se nas escadas que dão palco à Serenata. A grande "noite de fados" de Coimbra esteve marcada, desmarcada, mas aconteceu, em forma de manifestação de protesto, organizada pela Seccão de Fado da Associação Académica, que não aceitou o lugar alternativo (Sé Nova) proposto pela organização da Queima das Fitas.
O futuro médico de Penafiel sabia que a Polícia não tinha autorizado, por razões de segurança, a Serenata na Sé Velha. Em causa estava o limite de pessoas, não mais de 4000 segundo a PSP (que ontem não esteve na praça), e 88 pinos de ferro cravados na calçada, que teriam de ser retirados em poucas horas.
Mas Cristiano arriscou e esperou até à meia noite e um desta sexta-feira nas escadas pela primeira guitarrada. Três horas antes já a praça estava lotada e depois todos os acessos. Dez mil pessoas pintaram de capas negras a zona antiga. "Vim de madrugada porque acreditei que a serenata só podia ser na Sé Velha. Não podia ter tido uma despedida mais digna desta cidade, agora também minha", resumiu.
Uns degraus abaixo, ainda nas históricas escadas, Beatriz Menezo chora mais do que Cristiano. As lágrimas da finalista de Medicina, 24 anos, de Cantanhede, são lembranças, "de todo o esforço que os meus pais fizeram para eu poder estudar, do apoio do resto da família, do namorado, dos colegas". "É uma honra estudar em Coimbra e estar aqui, na escadaria da Sé Velha, a sentir a Serenata, é um sonho cumprido", diz no fim ao JN.
Regressar de vez
A serenata terminou já depois da meia noite e meia de hoje, não com a habitual "Balada de Despedida", mas com a "Trova do Vento Que Passa", canção de Adriano Correia de Oliveira, criada durante o Estado Novo."Há sempre alguém que resiste. Há sempre alguém que diz não", cantou-se por toda a Sé Velha.
A resistência "valeu a pena", disse no final o presidente da secção de fado, Diogo Ferrreira, esperançado que no próximo ano os fados e guitarradas regressem "oficialmente" à Sé Velha. "Hoje provamos que os estudantes se sabem comportar e que há condições para que a tradição se mantenha", afirmou Diogo, que convidou a comissão organizadora e a PSP a refletir sobre este processo.
O presidente da Associação Académica, Renato Daniel, concorda. Esta sexta-feira ao JN, elogiou a organização da manifestação, "apesar dos riscos que correu porque não estavam presentes meios de socorro", e espera que a Serenata na Sé Velha abra a Queima das Fitas do próximo ano.
A que agora começou, acredita Renato, "pode vir a ser a melhor de sempre, não só pelo cartaz, mas também pelo programa que mobiliza toda a universidade e que faz da Queima das Fitas a melhor festa académica do país".