Polémica com estilista americana faz disparar encomendas de peças tradicionais que estavam em desuso. Chegam pedidos de vários países. Avança centro de formação.
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Tem mais de 150 anos, mas há muito que ninguém a usava. A polémica com Tory Burch trouxe ao de cima o orgulho poveiro. As redes sociais inundaram-se de fotografias, a página da estilista norte-americana foi "bombardeada" com críticas, várias marcas aproveitaram o "embalo" e reagiram com humor, abriu-se a discussão sobre a proteção do que é nosso, a Póvoa de Varzim foi notícia em todo o Mundo. Agora, acelera a certificação, o centro de formação, o livro e a "marca" e as encomendas dispararam: mais de 300 pedidos em 15 dias, incluindo da Suécia, Noruega, Canadá e EUA.
"Agora, toda a gente quer uma camisola poveira", admite, sorrindo, Carmen Flores, lembrando o dia em que viu a camisola poveira à venda por 695 euros, num "site estrangeiro", apresentada como criação original de Tory Burch. Professora reformada, poveira orgulhosa das suas tradições e "barrista" assumida, Carmen começou há 20 anos a recolher desenhos: mais de cem barras, 30 ou 40 barcos, brasões, apetrechos de pesca, animais. O livro sobre a camisola poveira - tricotada em lã da serra da Estrela e bordada a ponto de cruz - andava, desde então, a "marinar". Agora, ganhou novo fôlego.
Símbolo da alma poveira
Dores Morais e Felicidade Gonçalves fazem-nas desde os 14 anos. O dinheiro era pouco e tudo servia para ganhar "mais algum" nos idos anos 50 e 60. Depois, mudou a moda e a camisola caiu em desuso. De roupa do dia a dia passou a símbolo das tradições locais, da alma e da raça do pescador poveiro, do bairrismo das suas gentes. Mas dos que se guarda em casa.
A camisola original custa 80 euros. São 50 horas de trabalho. Descontada lã e linhas, rende 50, "um euro à hora". Desincentiva as artesãs. Agora, a polémica fez disparar as encomendas. A Câmara está agora a recrutar artesãs, mas reconhece que "vai levar tempo".
A Junta de Freguesia da Póvoa percebeu-lhe o potencial. Apostou na formação. Luta, há seis meses, para certificar o produto, apesar da "burocracia". "Não faz nenhum sentido tratar a produção cultural como industrial.
O processo de certificação não pode ser o mesmo. Três mil euros/ano só para manutenção do registo? Nenhum artesão pode suportar", afirma o presidente da Câmara, Aires Pereira, que já fez ver isso à ministra da Cultura. Há que "simplificar o registo da propriedade cultural" e "proteger os direitos de autor" e dos artesãos. Doutra forma, frisa, "seremos roubados mais vezes".
O novo Centro de Interpretação e Formação da Camisola Poveira abre sábado na Central de Camionagem e as peças estão à venda online no marketplace "É bom comprar aqui", agora com a etiqueta de "camisola poveira tradicional".
JUSTIÇA
Processo judicial contra estilistas está a ser preparado
Tory Burch integrou uma camisola poveira na sua coleção primavera/verão 2021. Dizia ser uma "criação original", inspirada na baja mexicana, mas a lã, os bordados a ponto de cruz vermelho e preto, os "tremidinhos" no decote, os "castelinhos" nos punhos e cós, os motivos da pesca e a coroa da monarquia portuguesa não deixavam dúvidas. O caso chegou à Junta. A polémica estalou. A Câmara prometeu fazer justiça. O Ministério da Cultura vai ajudar a Autarquia a mover a ação judicial contra a estilista. O processo está a ser preparado.