Ministério da Cultura procura acordo extrajudicial com a norte-americana Tory Burch. Verbas serão usadas para apoiar a camisola poveira. Primeira formação da arte já acabou.
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A Câmara da Póvoa de Varzim já tinha dito que "desculpas não chegam". Exigia "uma compensação justa pelos danos" causados pela estilista norte-americana Tory Burch. Com a "cópia" da camisola poveira a ser notícia em todo o Mundo, o Ministério da Cultura ofereceu-se para encabeçar uma ação judicial. Agora, a tutela diz estar a negociar um acordo. A indemnização será canalizada para a preservação e divulgação da velhinha camisola do pescador com mais de 150 anos de história.
A verdade é que, independentemente do que venha a acontecer, sete meses depois, o caso Tory Burch já deu frutos: uniu os poveiros na defesa da sua história e das suas tradições, fez disparar as vendas, gerou filas na inscrição para a formação. Já há um Centro Interpretativo e de Formação da Camisola Poveira, mais mãos a saber fazê-la, novas artesãs e uma internacionalização a dar os primeiros passos.
"Estão em curso negociações entre o Estado e Tory Burch para que se alcance um acordo extrajudicial, envolvendo todos os interessados neste processo e garantindo que o mesmo será direcionado para a arte e ofício que se pretende preservar", disse ao JN fonte oficial do gabinete da ministra da Cultura, Graça Fonseca.
Reunião agendada
O presidente da Câmara da Póvoa, Aires Pereira, tem esta semana uma reunião com o Ministério da Cultura para saber pormenores do acordo. Em março, quando a polémica estalou, a Autarquia ainda tentou negociar com a estilista milionária, mas Tory Burch queria ficar-se por uma "assunção pública do "erro"". A Câmara recusou. Queria uma "compensação justa", englobando, "no mínimo", o financiamento do novo Centro Interpretativo e a garantia de que todos os modelos da coleção de Tory Burch inspirados na camisola poveira seriam produzidos na Póvoa de Varzim.
A polémica começou no início de março. O presidente da Junta da Póvoa foi alertado por uma poveira: a estilista Tory Burch tinha, no seu site, uma camisola poveira à venda por 695 euros, descrita como uma "criação original", "inspirada na baja mexicana" e sem qualquer referência à Póvoa ou a Portugal. As semelhanças eram mais do que muitas: a lã, os bordados a ponto de cruz vermelho e preto, os "tremidinhos" no decote e os "castelinhos" nos punhos e cós, os motivos da pesca e até a coroa da monarquia portuguesa.
Ricardo Silva, que desde 2015 luta pela certificação da camisola poveira, escreveu à estilista. A resposta nunca chegou. O caso veio a público no final de março.
Formado grupo
A Póvoa indignou-se em uníssono e invadiu as redes sociais da estilista. Em menos de uma semana, o caso foi notícia em todo o Mundo e deixou a nu a fragilidade das artes tradicionais portuguesas: falta quem faça, quem compre, quem valorize e proteja. O Ministério da Cultura ofereceu-se para ajudar a punir a "apropriação abusiva".
Três semanas depois, abriu o Centro de Interpretação e "choveram" encomendas - mais de 300. Agora, há já um grupo - "Sarilho e Meio" - composto por 20 formandas do primeiro curso, empenhadas em promover e divulgar esta peça do património poveiro.
Ensino
90 formandos
Vestida por figuras ilustres como Grace Kelly (nos anos 60), a camisola poveira esteve, já este ano, nas semanas da Moda de Paris e Londres. Na formação, entraram cerca de 90 pessoas, entre gente à procura de ocupar os tempos livres e desempregadas de olho numa possível oportunidade de emprego
Detalhes
Ressuscitou em 1936
A camisola poveira fazia parte do traje de festa do pescador. Após o grande naufrágio de fevereiro de 1892, deixou de se usar. Em 1936, Santos Graça ressuscitou-a e integrou-a no traje do rancho poveiro, como marca da identidade local e da bravura do pescador poveiro.
Entre 80 e 100 euros
Cada camisola leva mais de 50 horas a fazer. O trabalho é todo manual: primeiro tricotada em lã da serra da Estrela, depois bordada a ponto de cruz. Custa entre 80 e 100 euros (depende do tamanho). Está à venda no Posto de Turismo e online no marketplace poveiro "É bom comprar aqui!".