Em cada rosto que se cruza com a reportagem do JN está estampada a tristeza lancinante que assolou a gente humilde e trabalhadora da freguesia de Ermelo, localidade bucólica incrustada nas imponentes encostas da Serra do Alvão.
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"Já viu que até o presidente da República falou de nós?! Só foi pena o motivo, porque o que o Cunha fez, não se faz nem a um cão", exclamou uma transeunte que, ainda amedrontada com o crime, não se quis identificar. Sentada defronte a uma casa de xisto, contou de que forma o crime da véspera abalou a freguesia. "Isto é pacato. As pessoas o que querem é trabalhar e depois esperar o que a terra possa dar, mas ficou tudo aparvalhado. Perder ou ganhar não justifica estas atitudes", afirmou, enquanto centrava as preocupações no garrafão do tinto novo, colhido há dias.
António Cunha, o homem que baleou Maximino Clemente, continua desaparecido, e as gentes da terra estão empenhadas em esquecê-lo o mais depressa que a memória o permitir, já que todos os cartazes da candidatura do PS, encabeçada por Cunha, foram queimados. O rosto do socialista esfumou-se pelo vale de Ermelo.
A meio da tarde, apenas os sinos da pequena igreja rasgavam o silêncio, ecoando os acordes fúnebres que voltarão a soar esta tarde, a partir das 14.30, hora a que será realizado o funeral. As exéquias serão alvo de honras militares, já que Maximino Clemente era soldado da GNR na reforma. A GNR vai destacar para o local alguns agentes para que não haja represálias, mas a força não será significativa, já que as autoridades não perspectivam problemas nos tempos mais próximos.
Entretanto, a PJ e a GNR prosseguem a "caça ao homem", na medida em que António Cunha continua a monte. Ontem, na aldeia, soavam diversos rumores. Uns que davam como quase certa a fuga de Cunha para o Brasil, e outros afiançando que o foragido estava a poucas horas de se entregar às autoridades. A GNR desmentiu a veracidade de qualquer destes rumores.
O adiamento da votação em Ermelo para o próximo domingo está também a influenciar o futuro do concelho de Mondim de Basto. Tudo porque Humberto Cerqueira, candidato do PS, venceu as eleições com mais 417 votos que Lúcio Machado, o candidato do CDS. Como em Ermelo estão inscritos 935 eleitores, o resultado pode ainda sofrer alterações. "Matematicamente, é possível um volte-face, mas não acredito, já que, normalmente, só cerca de 400 eleitores votam em Ermelo", afirmou Humberto Cerqueira.
O candidato mais votado para o município de Mondim assume, porém, que não terá na freguesia o resultado que obteria numa situação normal, até porque o causador do episódio era candidato do seu partido. "O resto do concelho mostrou, de forma inequívoca, o que queria e acredito que essa vontade vai prevalecer", diz.
Já Lúcio Machado, com hipótese de ganhar a Câmara, apela ao povo de Ermelo que não se abstenha e acredita que pode ainda assaltar o primeiro lugar sem, contudo, aproveitar a tragédia para dividendos políticos. "Não faremos campanha, porque a freguesia está de luto e as pessoas precisam de paz de espírito".