Diretor do Aquamuseu de Vila Nova de Cerveira avança cenário em que a espécie desaparece até ao fim do século. Rio Minho será o último onde a espécie vai extinguir-se.
Corpo do artigo
A cumprir-se o cenário de alterações climáticas que está traçado até ao fim do século XXI, a lampreia está condenada à extinção. A afirmação é do biólogo e diretor do Aquamuseu de Vila Nova de Cerveira, Carlos Antunes, que tem acompanhado a evolução da espécie no rio Minho.
Apesar do quadro desolador para pescadores e apreciadores do ciclóstomo, aquele especialista diz que do mal o menos: o rio Minho será o último onde a espécie vai extinguir-se. E, para já, aquelas águas internacionais ainda continuam a dar, uns anos mais outros menos, fartura de lampreia.
No Minho, a época para pesca com embarcação começou no dia 2 e termina a 21 de abril, com 151 licenças atribuídas do lado português. A 15 de fevereiro, abrirá também a faina nas pesqueiras de Monção e Melgaço. Atualmente existem 161 licenças ativas e, este ano, será permitida a captura de lampreia nessas construções de pedra nas margens do rio até 21 de maio. Os pescadores esperam "um ano bom", até porque, conforme a fartura, podem embolsar até 35 euros por lampreia (ver reportagem). Se a época será farta, dizem, o mês de março o ditará, que é quando se regista o pico da entrada de lampreias pela foz do rio vindas do mar.
"O cenário que se prevê até ao fim do século, no que diz respeito às espécies migratórias, nas quais se incluem a lampreia, é que provavelmente o rio Minho será praticamente o limite sul de distribuição de lampreia", afirma o biólogo Carlos Antunes, explicando: "Em todos estes rios em Portugal que ainda têm lampreia [Mondego, Guadiana, Lima ou Tejo], já há muito menos do que no ano passado e, no cenário de alterações climáticas que se prevê até ao final do século, ela pura e simplesmente vai desaparecer". "
Ciclo de vida
Segundo o especialista, o ciclóstomo tem um ciclo de vida de cerca "de seis a sete anos", sendo que "quatro a cinco anos" são passados em água doce e os restantes no mar. "Nestes dois meios, quer na parte oceânica, quer na parte continental, as alterações climáticas vão-se fazer sentir. Aliás, já há notícia de que a temperatura dos oceanos atingiu um recorde em 2019 e aí as margens de tolerância das espécie é que ditarão as consequências", refere Carlos Antunes, prosseguindo: "No caso da lampreia, parece-me mais sensível a parte continental [de rio], devido ao tempo que passa nessas águas e ao facto de ser numa fase larvar. "As pressões que se podem fazer sentir podem condicionar o sucesso desta fase inicial do seu ciclo de vida", alerta.
Mas como? Segundo Carlos Antunes, os efeitos das alterações climáticas já se têm feito sentir, com "ondas de calor e anos mais secos, que se refletem na redução de caudais, no aumento de temperatura e eventual diminuição de oxigénio na água". Fatores que são "agravados pela poluição" das águas e das margens dos rios.
19 mil declaradas
De acordo com dados da Capitania do Porto de Caminha, na safra anterior foram declaradas em lota 19 145 lampreias pelas embarcações licenciadas no rio Minho.
Mais de 30 mil
Segundo aquela fonte, a safra de 2018 foi mais rentável: foram declaradas 26 010 pescadas pelos barcos e 4019 capturadas nas pesqueiras de Monção e Melgaço.
64 barcos espanhóis
A Capitania do Porto de Caminha avança que, este ano, além das 151 embarcações portuguesas, estão licenciadas também 64 do lado espanhol.
Por outras andanças
Douro
Está mais cara do que no ano passado
Neste momento, ainda não falta lampreia na zona de Entre-os-Rios, em Penafiel. A que tem sido apanhada no Douro e Minho chega para responder às necessidades do mercado, normais para o mês de janeiro. Segundo Luís Semide, vendedor de lampreia há mais de 20 anos na zona de Entre-os-Rios, em Penafiel, o negócio ainda está "meio parado", altura em que a lampreia custa entre 35 e 45 euros, devendo começar a animar a partir de fevereiro, através da promoção do ciclóstomo que na região é servido à bordalesa, ou em arroz. Neste momento, a lampreia não escasseia e está mais cara do que em igual período do ano passado - altura em que uma lampreia viva custava entre 25 e 40 euros. "Mas o valor seguirá a tendência do mercado", rematou.
Ria de Aveiro
Início da safra augura boa temporada
A safra ainda está a começar na ria de Aveiro, com os pescadores da Murtosa a conseguirem apanhar apenas uma ou duas lampreias por dia. No entanto, confia-se que será uma boa temporada. "No início é sempre assim, apanham-se poucas, mas para já parece que vai ser melhor do que no ano passado. Parece. Os meses melhores são março e abril", conta o pescador Manuel Marques "Garrafa". Na safra de 2018, Manuel pescou "600 ou 700" lampreias. À semelhança dos outros anos, a lampreia começa por ser vendida "a 40 euros a unidade, mas depois vai descendo". "Lá lá para maio, já se vende a 10 euros ou menos".
Mondego
Desassoreamento prejudica circuito
A chuva que tem caído no distrito de Coimbra seria ideal para a lampreia subir até Penacova, segundo explica ao JN o mordomo mor da Confraria da Lampreia, Luís Amante. No entanto, há dúvidas sobre o seu circuito, devido ao desassoreamento do Mondego. "Como há muita água, seria o ideal para subir, mas por causa dessa obra, que sempre contestámos, não sabemos como será o circuito", aponta Luís Amante. "Já no ano passado houve uma descida drástica na subida da lampreia por causa da obra", observa. A Confraria da Lampreia chegou a fazer uma participação ao Ministério Público contra a obra, mas foi arquivada. Para Luís Amante, a obra também foi prejudicial nas cheias no final de dezembro, afetando sobretudo Montemor-o-Velho.
Tejo
Caudal ameaça continuação da espécie
Mesmo depois das chuvas deste inverno que chegaram a fazer transbordar o rio em Santarém, o Tejo continua a ter um caudal de verão, junto à fronteira. Uma situação que é prejudicial a espécies de mar que desovam naquele rio, como a lampreia, o sável ou as sabogas. É que, com a falta de água, aquelas espécies desovam nas margens, o que faz com que as ovas fiquem ao sol e morram. Por isso tudo, as espécies correm risco de desaparecer.