Boticas/Vila Pouca: População não se vai calar enquanto não tiver uma nova ponte para substituir a de arame que a barragem vai inutilizar.
Corpo do artigo
O tempo que demora percorrer a pé o caminho entre Monteiros (Vila Pouca de Aguiar) e Veral (Boticas) chega e sobra para Leonel Silva explicar a "muita utilidade" que a ponte de arame que liga as duas margens do rio Tâmega sempre teve para as duas povoações. Só que vai deixar de existir ali. A barragem que a Iberdrola está a construir mais abaixo vai inundar o local. Depois de muita pressão popular e dos autarcas, a empresa espanhola propõe-se construir outra, mas o povo só acredita quando a vir.
Do que será a futura travessia pouco se sabe, por isso a população põe a tónica na que existe. É literalmente uma ponte presa por arames. "Abana, mas não cai. Está bem presa", assegura José Gonçalves, de Veral. E se for arrastada pelo rio ou arder, como já aconteceu, constrói-se outra. Agora, "ficar sem ela é que não". Porque há quase um século que ali se passa para ir à missa, a funerais, cultivar terrenos, ganhar o dia ou visitar a família. "Ainda era um canalhito e já vinha para aqui às castanhas", recorda José da Silva. Hoje, com 54 anos, vai para Monteiros trabalhar na arranca das batatas, na vindima e fazer o que calhar".
Quando José nasceu, há 71 anos, já a ponte ali estava. No cimento onde os cabos de sustentação estão presos lê-se "1936". "Foi construída pela gente das duas aldeias". Ele foi dos que ajudou "a botar as cordas de arame" nas duas reconstruções.
Em Monteiros, havia lagares de azeite e a azeitona de Veral era toda moída lá. Na hora de rezar, iam os de Monteiros à missa em Veral. Preferiam atravessar a ponte e subir a encosta íngreme do que ir a Bragado, sede da freguesia, mas mais distante.
Embalados pela ponte "que não cai", os moradores apontam que a nova travessia que a Iberdrola propôs "não pode ficar longe". Maria Judite, 64 anos, precisa de ganhar a jeira em terrenos agrícolas de Monteiros e não quer "percorrer 100 quilómetros para ir à volta". Leonel Silva até já definiu um sítio ideal onde a nova ponte pedonal poderia nascer. "É que se não ficar aqui perto não deixamos levantar esta", protesta Agostinho Alves.
travessia para carros
A proposta da Iberdrola prevê a nova numa cota mais alta e recolocar a atual num local próximo para memória futura. Mas em troca, quer desistir da travessia para carros sobre o paredão da barragem do Alto Tâmega. Esta proposta não tira o sono aos populares, mas é liminarmente rejeitada pelos presidentes das duas câmaras: Fernando Queiroga (Boticas) e Alberto Machado (Vila Pouca).
"A travessia pedonal tem de ser reposta, ponto final. Não há mais discussão. A passagem de veículos no coroamento da barragem também não se discute, porque já está no projeto", vinca Queiroga. Alberto Machado entende que "uma coisa não tem nada a ver com a outra". O atravessamento de carros "é uma medida de compensação proposta pela Iberdrola" e a ponte de arame "é uma travessia que vai ser impossível manter devido ao enchimento da albufeira e que é importante para as populações". "Isto é tão simples que não merece sequer discussão. Tem de se repor o que a barragem destruir", frisa.
A Agência Portuguesa do Ambiente deve pronunciar-se em finais de setembro ou princípios de outubro.