Tudo funciona como sempre funcionou. Até porque limpar é obrigatório e dar de comida aos animais também.
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As rotinas mantêm-se inalteradas tanto no Zoo de Santo Inácio, em Avintes, Gaia, como no da Maia. Só o silêncio, por falta de público, provoca alguma estranheza, que facilmente é esquecida pela harmonia dos espaços. Os bichos vão dando sinais que estão bem adaptados aos seus habitats. Já os funcionários aproveitam a pausa forçada para executar tarefas que com público demorariam mais tempo. O pior de tudo é mesmo os zoos continuarem com as mesmas despesas, mas sem as receitas de bilheteira.
Exames a todos os animais, uma vez que apostamos num programa de prevenção
Logo após o primeiro confinamento, em março, mais de meia centena de animais nasceram no Zoo de Santo Inácio. Mas segundo a veterinária, Carla Monteiro, 48 anos, a situação nada teve a ver como facto dos animais estarem mais predispostos ao acasalamento por não haver visitas. "Estamos a falar do início da primavera, onde já é normal isso acontecer. Só cobras nasceram 30!", disse-nos, depois de ter saído da enfermaria onde esteve a cuidar de um papagaio que "ao coçar o nariz provocou uma hemorragia".
Por estes dias de confinamento, Carla confessa que até tem tido bastante mais trabalho. "Estamos a aproveitar o facto de o zoo não ter visitantes para realizarmos check-ups a todos os animais, uma vez que apostamos num programa de prevenção. Com as visitas estamos mais limitados, porque fazemos os exames antes do espaço abrir ou depois de fechar. Logo, assim é mais fácil", registou.
Um trabalho árduo já que o zoo de Santo Inácio tem cerca de 600 animais de 200 espécies diferentes. Carla ri-se e diz que o trabalho "vai das aranhas até às girafas".
De entre crias que nasceram em 2020, a veterinária ressalva o nascimento de uma "gazela dama", espécie natural do deserto do Saara, que está em vias de extinção.
Treinos com posições médicas para o Nico se manter ativo
Os colegas de Sónia Teixeira, 44 anos, do Zoo da Maia, costumam brincar com ela e dizer que "o Nico [o leão-marinho, que treina há mais de 20 anos] é mais filho do que a sua própria filha". Daí que seja inevitável, mesmo durante o confinamento, encontrar Sónia e Nico juntos, no zoo. "Nesta altura não temos apresentações, mas há treinos com posições médicas, até para o Nico se manter ativo", conta-nos a tratadora.
O animal logo surge atrás da tratadora como se de uma sombra se tratasse. Em média, esta espécie vive 20 anos, mas em cativeiro a vida do animal pode estender-se. Como é o caso deste, que em maio faz 24 anos.
Sónia multiplica-se em elogios: "É um bicho muito inteligente, muito afável. Costumo dizer que adoro a minha cadela, mas o Nico dá beijos", rematou, a sorrir.
Não me conseguia ver fechada num gabinete
É de mangas arregaçadas que encontramos Paula Telinhos, 55 anos, coordenadora da equipa de manutenção do Zoo da Maia. Por ali não falta trabalho. Com o equipamento de portas fechadas, os funcionários têm aproveitado para realizar algumas obras de melhoramento do espaço. Bem perto da piscina do Nico, o leão-marinho, está a ser colocado um novo chão na esplanada.
Já Paula está a preparar, com uns troncos de umas árvores, um novo habitat para um felino. Sendo certo que depois terá de ir "dar uma vista de olhos" ao ginásio de Júnior , o urso, que logo no primeiro dia do "brinquedo novo" destruiu um dos degraus com os dentes. "Enquanto fez aquilo estava com a mente ocupada", soltou, a trabalhadora, enquanto desabafa que por ali há sempre o que fazer. "Seja na jardinagem, na eletricidade, trabalhos de carpintaria, na reabilitação de habitats ou na troca de lugares de algumas espécies".
Todos os dias Paula, que reside na Maia, faz o trajeto casa/trabalho a pé, e mesmo demorando cerca de meia hora, dá "graças a Deus por isso".
"Não me imaginava em casa. Não me conseguia ver fechada num gabinete. Faça chuva ou faça sol, com frio ou calor é aqui que gosto de estar", desaba Paula, ainda que confesse que sente "falta do movimento, do contacto com as pessoas".
Animais tristes com a falta de visitas
A falta do barulho dos visitantes pelos 15 hectares do Zoo Santo Inácio, em Gaia, têm deixado "os animais tristes", contou ao JN José Alves, 62 anos, explicando que é um sentimento muito idêntico quando os tratadores se ausentam para gozarem férias. "A gente bem tenta dar mais um carinho, mas não resolve grande coisa, até porque eles são selvagens, mas estão completamente adaptados ao seu habitat". Prova disso, é que mal avistam José, chefe dos tratadores, surgem ao seu chamamento. Seja um tigre ou um camelo.
Por estes dias, só o facto das viagens de carro entre S. Romão do Coronado, na Trofa, e Avintes, Gaia, serem mais rápidas - por força de haver menos trânsito - é que faz lembrar José que o país está em confinamento.
Dentro do zoo, "vive-se um mundo à parte que não se pode parar quando se lida com animais". Todos os dias chega ao trabalho por volta das 7.15 horas, pronto para mais uma ronda. E é aí que "pelo simples olhar que se sabe se um bicho está bem ou não".
Num espaço com 600 animais, José revela que entre os seus preferidos estão "os da savana, como as girafas e rinocerontes".
Há sempre coisas para fazer
A ampliação da zona de bilheteira do Zoo de Santo Inácio, em Gaia, estava prevista acontecer o ano passado. Mas surgiu a pandemia e o projeto acabou adiado. Agora, com o segundo confinamento, a intervenção vai mesmo acontecer, estando "só dependente de S. Pedro para o desenrolar da obra". Luís Silva, responsável pela manutenção e logística do espaço, confessa que estão aproveitar o facto do zoo estar de portas fechadas para realizar as intervenções "mais à vontade". "Quando temos público há sempre outro tipo de cuidado", observou.
Até porque por ali "há sempre coisas para fazer". "É um trabalho que não pára, e ainda bem"!, consciente que em pleno confinamento, onde muita gente está em teletrabalho, é "um privilegiado".
Foi difícil de aceitar o silêncio
Foi agora com o segundo confinamento que surgiu o convite de uma escola para Mónica Correia, bióloga e responsável pelo projeto pedagógico do Zoo da Maia, realizar uma atividade com as crianças, através da aplicação Zoom. "A experiência correu tão bem que surgiu a ideia de começarmos a ter atividades online. Nesta fase que estamos de portas fechadas, será uma forma de criar uma proximidade das crianças com a equipa do Zoo, mantendo-os mais perto de nós", explicou Mónica.
Com o recinto sem visitas, Mónica mantém-se a trabalhar, aproveitando os dias sem o rebuliço dos mais pequenos para criar, assim, novas atividades. "Os meus filhos acabam por ser as cobaias", diz em jeito de graça.
A bióloga contou que está também a aproveitar esta altura "mais calma" para realizar "um estudo parasitológico de todas as fezes de todas as espécies do zoo". "E se há animais em que é mais fácil essa recolha, como os tigres, há outros como as cobras que só se alimentam de 15 em 15 dias e têm uma digestão lenta".
E se no primeiro confinamento a bióloga sentiu que "foi difícil de aceitar o silêncio, fazendo o que fosse preciso para manter a mente ocupada", agora não lhe faltam ideias para pôr em prática quando as crianças voltarem.
Pormenores
Perdas de visitantes - Teresa Guedes, diretora do zoo, em Gaia, estima que só das visitas escolares vão deixar de receber 40 mil alunos. As perdas, desde março de 2020, são na ordem dos 200 mil euros.
125 mil visitantes - Por ano, o zoo da Maia recebe, em média, cerca de 125 mil pessoas. Com os dois confinamento, os prejuízos são de 200 mil euros, disse ao JN Olga Freire, presidente da Junta, que gere o espaço.
300 animais - No Zoo da Maia podem ser vistos mais de 300 animais de 100 espécies.
2500 visitantes é a lotação do Zoo de Santo Inácio. Nesta fase de pandemia, em que é exigido o distanciamento do público. Mas nos 15 hectares do parque há capacidade para o dobro.