Moliceiro Solidário começou nas redes sociais e saiu para as ruas em dezembro. Dá comida, bens essenciais e oferece serviços a quem não tem teto.
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Tem uma filha de dois anos nos braços e recebe os voluntários de sorriso aberto. Mónica Silva chegou do Brasil com a família há cerca de cinco meses na "expectativa de uma vida melhor", mas quando o dinheiro acabou, "começou a tragédia". Com o "pouco que restava", compraram a rulote onde Mónica, o marido, o filho de 19 anos e a bebé de dois anos estavam quando os voluntários do Moliceiro Solidários lhes bateram à porta a perguntar se precisavam de ajuda.
"Uns anjos bateram na nossa porta. Já estávamos sem força, mas a esperança voltou a nascer", conta a mulher, grata pela ajuda dos voluntários do projeto Moliceiro Solidário que "fazem coisas de coração e não com papéis para assinar e cobrando alguma coisa". O projeto nasceu no Facebook, após um desabafo de Nuno Fernandes, preocupado com aqueles que não teriam oportunidade de ter uma ceia de Natal. Muitos mostraram-se igualmente preocupados e, no início de dezembro, um grupo de voluntários saiu pela primeira vez para a rua.
"Surgiram imensas pessoas, carros carregados", recorda Lucinda Santiago, a voluntária que guia o JN por uma das rondas noturnas que fazem três vezes por semana pelas ruas de Aveiro. O projeto foi crescendo e os relatos de pessoas carenciadas sucederam-se.
As mãos que ajudam chegam de Ovar, Anadia, Vagos e outros concelhos da região, assim como os bens doados. Algumas lojas colaboram oferecendo iogurtes e frutas e uma lavandaria ofereceu-se para lavar as roupas. Uma cabeleireira trata da barba e cabelo. Atualmente o grupo procura um espaço que sirva de armazém para guardar os bens doados e fazer a triagem.
"Sempre que se vem ao terreno, há uma história nova. Todos os dias aprendemos", diz Lucinda, reforçando a ideia de que o grupo informal pretende ser "complementar às instituições e não concorrência". Naquela noite, souberam do caso de uma mulher grávida a morar na rua com o companheiro. No final da volta, já depois da meia-noite, encontraram-na deitada numa paragem de autocarro.
"Vida de cão"
Mas antes, distribuíram comida por dezena e meia de pessoas. Foi Ducília Cancela, de Ílhavo, quem preparou as 25 refeições que chegaram ainda mornas e acompanhadas de sobremesa. "Sozinha não conseguia acudir, mas quando criaram o grupo avancei logo", confidencia.
Entre os que recebem ajuda está outra mulher que vive numa rulote, o "cantinho" que encontrou para si e para os filhos há mais de meio ano. Mas quando se lhe pergunta o que lhe entregaram os voluntários, não fala da comida ou das sapatilhas, mas de "apoio e carinho".
Uma bike para o trabalho
Há muitos outros que não têm sequer porta para bater. Estão em colchões à entrada de prédios. Para os ver, "basta abrir os olhos, não estão escondidos", afiançam os voluntários.
A vida na rua "é vida de cão", deixa escapar um sem-abrigo. "Para cair é num instante, mas levantar é um problema" e é algo que pode acontecer "ao mais rico do Mundo", explica mais tarde outro.
Nenhum esconde a gratidão pelo que recebem. Seja comida, um colchão ou uma bicicleta, como aconteceu com um jovem que conseguiu trabalho, mas não tinha como se deslocar. "As palavras são pequeninas para agradecer o que fazem, são pessoas que ajudam por amor ou empatia, que podiam estar em casa. É extraordinário". Quem fala agora é Francisco, que só pede que a sua "família", ou seja, os que como ele dormem na rua, tenham "mais uma oportunidade".
Mais adiante, outro sem-abrigo sai debaixo dos cobertores para receber "quem faz o bem". Tinha-se deitado sem jantar e conta que só tenta "sobreviver", sem fazer planos para o futuro, porque "pode correr mal".