Seca e calor excessivo alteraram vindimas, há videiras mortas e uvas com maturações desequilibradas. Mecanização urge para suprir falta de mão de obra.
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Cristina Cardoso não se lembra de vindimar com "tanto calor". Anda numa parcela de Fontelo, em Santa Marta de Penaguião, a colher uvas brancas para a Rozès. O trabalho na vinha sempre foi duro, a vindima menos porque é uma festa, mas este ano "está a ser demais". E a tendência é para ser cada vez pior. Não só pelas mudanças no clima como pela falta de mão de obra. A minimização dos problemas terá de passar por alterações na viticultura e mais mecanização.
O terreno onde o grupo que integra Cristina anda a trabalhar não permite a entrada de uma máquina vindimadora. Mas "o futuro vai ter de passar pela vindima mecânica", prevê Luciano Madureira, enólogo da Rozès.
O pessoal que traz a cortar uvas em Santa Marta já é costumeiro, todos da freguesia de Medrões, naquele concelho. Arranjar mão de obra local é uma sorte que também calha a Rui Paredes, produtor de uvas na zona de Favaios, concelho de Alijó, e que atualmente preside à Casa do Douro. Todavia, já está a prever que o prazo útil de trabalho de muitos dos trabalhadores, devido à idade, só dure "mais cinco ou dez anos".
Duraria bem mais o da recém-licenciada em enfermagem Esmeralda Mota, 22 anos, que anda na vindima liderada por Luciano, mas está bom de ver que esta é uma situação temporária "enquanto não se arranja emprego na área". "A vida na vinha é dura", justifica.
Mão de obra estrangeira
Como os mais novos fogem da agricultura para outras atividades, a solução tem passado por arranjar pessoal de fora. No caso da Rozès, que também já anda a vindimar no Douro Superior, teve de recorrer a timorenses, nepaleses, indianos e cabo-verdianos.
Tal como Luciano, Rui Paredes não tem dúvidas que o futuro passa por adaptar as vinhas, nomeadamente as novas, às máquinas. Os dois hectares que se prepara para plantar em Favaios "já vão ficar preparados para a vindima mecânica".
Outro desafio para o futuro vai ser apropriar melhor as vinhas a um clima cada vez mais seco. O problema está há muito identificado, mas 2022 veio demonstrar que é necessário tomar medidas. "É preciso antecipar tudo o que se vai passar à volta da videira, nomeadamente o sistema de condução e clones mais resistentes à falta de água", nota o presidente da Casa do Douro.
Menos 20% de vinho
Luciano diz que a "seca e o calor intenso" deste "ano terrível" provocaram graves desequilíbrios nas videiras, que levaram a "uma maturação apressada das uvas", com "mais açúcar, mas acidez muito baixa e outras muito desidratadas". Há também "muitas videiras secas". Algumas colheitas foram antecipadas. No entanto, Rui Paredes diz que "há realidades diferentes" dentro da Região Demarcada do Douro.
Luciano Madureira supõe que possa haver uma quebra de produção de 20% a 30% na colheita deste ano, mas Rui Paredes prefere não avançar já com antevisões, pois como se diz no Douro, até ao lavar dos cestos é vindima. O que tem certo é que "vai haver menos vinho", embora a qualidade deva ser "excelente".
O Instituto da Vinha e do Vinho prevê que "a produção de vinho deverá baixar em Portugal cerca de 9% face à campanha anterior". Para as regiões do Douro e de Lisboa há "quebras expectáveis de 20%".