Santuário espera enchente na peregrinação que antecede a vinda do Papa em agosto. Caminhantes partilham histórias de devoção e superação. Levam gratidão e pedidos de ajuda.
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A caminho dos 70 anos, Carminda Loureiro faz a sua primeira peregrinação a pé ao Santuário de Fátima. Depois de uma paragem no posto de assistência da Ordem de Malta instalado no Barracão, a 30 quilómetros da Cova da Iria, retoma a viagem para finalizar a penúltima etapa. Carminda é uma entre os milhares de peregrinos que voltaram, este ano, a encher as rotas até Fátima, retomando a normalidade pré-pandémica. Na hotelaria da cidade e no Santuário espera-se um fim de semana de enchente, próxima do que aconteceu em 2017, ano do Centenário, e quando se aguarda a data da vinda do Papa em agosto.
Entre a multidão estará Carminda Loureiro que o JN encontrou à saída do posto da Ordem de Malta num turbilhão de emoções. Entrou "mal", com uma unha encravada, bolhas nos pés e dores nos músculos, acumuladas ao longo de quatro dias de caminhada, desde Vouzela. Saiu a sentir "as pernas novas" e com forças redobradas para prosseguir viagem.
Não vai em promessa, mas por gratidão. "Quero agradecer tudo o que Nossa Senhora me tem dado", afiança, ainda a refazer-se das emoções vividas no posto de apoio, onde recebeu um abraço do bispo D. José Ornelas, de visita ao espaço. "Foi reconfortante", confessa com um brilho nos olhos, também pelo carinho que recebeu dos voluntários. "Gente fantástica", diz, fazendo-se, de novo, ao caminho.
Atrás de Carminda, segue um grupo da Póvoa de Varzim. Ninguém pára no posto, mas a sua passagem faz-se notar. Vêm a cantar, acompanhando a música que toca na coluna carregada por Maximino Barbosa, que com a irmã Lurdes conduz o grupo, desde que, há 13 anos, a mãe deixou de o poder fazer por motivos de saúde.
"É a fé que nos move"
"É a fé que nos guia. Somos uma família de pescadores, sempre com o coração nas mãos, mas Nossa Senhora dá-nos força. Chegar ao Santuário é inexplicável", confessa Lurdes Barbosa, apontando para o peito, onde tem, num coração colado no colete refletor, o nome da prima, recentemente diagnosticada com cancro. "Vou por ela".
É também com uma prima no pensamento que Fernanda Pinto cumpre mais uma caminhada à Cova da Iria. "Venho com o coração nas mãos. Está hospitalizada e o prognóstico não é animador", explica, sentada no espaço de lava-pés do posto da Ordem de Malta. Natural de Santa Maria da Feira e emigrada na Suíça, conta que todos os anos vem a Portugal em maio para ir a Fátima. Este ano trouxe a cunhada e o sobrinho, Cecile e Fadi Arbach, suíços, pela primeira vez no nosso país, para quem a experiência da peregrinação está a ser "incrível". "É um encontro que fazemos connosco e com os outros. Sentimos muitas emoções. E a solidariedade das pessoas é fantástica", diz Fadi, depois de passar pelo espaço de massagens onde a enfermeira Graça Rente e os colegas não têm mãos a medir.
Uma Semana de felicidade
"Estou cansada, mas de coração cheio", confessa Graça Rente, enfermeira no Hospital de São João, que guarda sempre uns dias em maio para prestar apoio aos peregrinos. "É a minha semana de felicidade. O fazer bem aos outros dá-me forças para o trabalho ao longo do ano".
A Ordem de Malta disponibilizou para esta peregrinação cinco posto de apoio na região Centro e oito unidades móveis no Alentejo e Ribatejo. No total, são mais de 120 voluntários, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, socorristas e outro pessoal de apoio, adianta Bernardo Ribeiro, presidente do corpo de voluntários da organização, que diz que este ano há "claramente mais gente" do que ano passado.
Entre as principais maleitas dos peregrinos estão as bolhas nos pés, unhas encravadas, dores musculares, contraturas e lombalgias. Voluntário há 30 anos, Miguel Mendonça, chefe do posto do Barracão, reconhece que hoje as pessoas "têm mais cuidados" e preparam-se "melhor" para a caminhada. "Certa vez, tive de levar uma pessoa, que caminhava descalça por promessa, para o hospital, porque a perna estava a gangrenar".