Confrontos familiares constantes fizeram-no deixar Ermesinde. Cansado de andar de mochila às costas, vive agora num T0 em Leiria.
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Natural de Ermesinde, Mário José, 64 anos, viveu a maior parte da vida na rua. Desgastado por conflitos familiares constantes, um dia saiu de casa e nunca mais voltou. Ao fim de 39 anos a percorrer o país, o sem-abrigo livrou-se da designação e voltou a ter uma casa, desta vez em Leiria, com o apoio do Programa Housing First, onde está há nove meses. "Parece que me tiraram 15 ou 20 anos de cima".
Resgatado da rua por Lisete Cordeiro, diretora-geral da InPulsar - Associação para o Desenvolvimento Comunitário, a quem trata carinhosamente por "polícia", Mário sente-se feliz e reconhecido por a vida ter dado uma "volta de 180 graus". O T0 onde agora habita, no centro da cidade, tem casa de banho e uma divisão com kitchenette, um roupeiro, uma cama, uma mesa, um banco e uma televisão. O suficiente para lhe garantir conforto e para ter recuperado a dignidade.
"Já estava cansado de andar por aí fora de mochila às costas. Estou a ficar velho", admite. Além de a InPulsar lhe ter arranjado um teto e de o acompanhar, também tratou da reforma, que lhe deu acesso a pequenos "luxos", como comprar bacalhau. "Pago a renda [30%], encho o frigorífico e ainda me sobra", conta. Ter casa e autonomia financeira restituíram-lhe a alegria de viver e a vontade de rever a filha de "40 e tal anos" e a neta de 18, quase 20 anos depois.
Cinco anos antes, Mário contactou a irmã mais velha e o cunhado, que considera como irmão. "O reencontro foi em Fátima. Fui para lá a pé e cheguei mais depressa do que eles" que vinham de carro de Ermesinde, observa, sorridente. "Foi uma alegria", recorda.
"Quando os fui visitar, há dois meses, nem acreditavam [que tinha saído da rua]. Só quando viram que já tinha dentes e lhes mostrei o código", explica, em alusão ao cartão de entrada no apartamento. Por estes dias, Mário planeava voltar a Ermesinde para rever a família, até porque o sobrinho, emigrado na Suíça, está de férias em Portugal.
Não dar o braço a torcer
Quando a irmã e o cunhado souberam que Mário andava pelas ruas do Porto, pediram ajuda à Polícia para o encontrar, mas o então sem-abrigo fugiu para Lisboa. "Nunca lá fui à porta pedir um prato de sopa, porque não queria dar o braço a torcer", confessa. "Mas nunca me meti na droga, nem tive problemas com a Polícia", assegura. "No meio daqueles hippies todos, nunca me deu para isso."
"Gostava de passear e ainda hoje gosto", observa Mário. A diferença é que agora continua a dar as suas "voltas" diárias junto ao rio, apoiado na canadiana, mas tem uma morada certa para regressar, sempre que quiser. "Tenho a minha casinha, onde posso tomar o meu banhinho e onde tenho as minhas coisinhas todas", diz, orgulhoso.