José Francisco Vieira de Carvalho exigiu 361 mil euros, mas Relação do Porto obrigou-o a devolver três mil euros em acerto de contas. Atual vereador da Maia cobrava por angariar obras.
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José Francisco Vieira de Carvalho, atual vereador da Câmara da Maia, reclamou em tribunal mais de 361 mil euros por ter angariado obras, duas delas que até foram a concurso público, para uma construtora. Mas o Tribunal Cível do Porto, que qualificou a atuação do político como próxima do tráfico de influência, obrigou-o a devolver mais de três mil euros aos empreiteiros, depois de estes lhe terem pago, ao longo dos anos, centenas de milhares de euros. O Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão.
A empresa de consultadoria Yorkdream, detida por José Francisco Vieira de Carvalho, celebrou em 2012 - altura em que o político ainda não era vereador - um acordo de colaboração com a construtora Lúcios. O objetivo era angariar oportunidades de negócios junto de entidades públicas e privadas. E as partes estabeleceram uma tabela de comissões para remunerar José Francisco Vieira de Carvalho por cada obra: 7% para adjudicações até 100 mil euros; e 3% nas obras acima de um milhão.
Mais de 300 mil em três anos
Durante três anos, o então consultor recebeu mais de 300 mil euros por obras que alegou ter proporcionado à Lúcios. Mas, em 2015, a empresa começou a contestar o trabalho de "lóbi" supostamente efetuado por José Francisco Vieira de Carvalho e recusou-se a pagar faturas. O consultor considerou-se lesado e moveu uma ação cível, reclamando 361 mil euros, por acreditar que ele é que tinha revelado a oportunidade de negócio e estabelecido contactos para que a Lúcios ganhasse determinadas obras.
Vieira de Carvalho recebeu 100 mil euros em cada um dos três anos seguintes à celebração do acordo com a construtora Lúcios
No Tribunal Cível do Porto, provou-se que o consultor recebera cerca de 170 mil euros por, supostamente, ter conseguido angariar a obra de reabilitação e construção do Hotel Bolsa do Pescado, no Porto. Mas a adjudicação deste projeto, que recebera financiamento comunitário do QREN, fora precedida de concurso público. Assim, a Justiça concluiu, como se lê na sentença da Relação do Porto, que a Yorkdream "não desenvolveu junto da entidade adjudicante nenhuma atividade que a tenha convencido ou influenciado na decisão de adjudicação à ré".
A Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, foi outra obra que foi a concurso público, promovido pela Câmara de Matosinhos em junho de 2013. Neste caso, alegando ter feito a sua parte, o vereador recebeu cerca de 15 mil euros da Lúcios. Mas os desembargadores também entenderam que José Francisco Vieira de Carvalho, político que andou pelo PSD antes de ser eleito vereador da Maia pelo movimento independente Juntos Pelo Povo (JPP), não podia ter tido intervenção na angariação de obra. No Tribunal de primeira instância, onde o agora vereador prestou depoimento em 2019, o juiz escreveu que José Francisco Vieira de Carvalho revelou "arrojo, dada a proximidade da atuação alegadamente em causa com o tráfico de influência na descrição da sua atividade na alegada angariação da obra de reabilitação da Casa de Chá da Boa Nova, também adjudicada por concurso público, por uma autarquia local".
Porém, no final de 2020, a Relação deu como provado que vereador tinha prestado serviços, relativamente a várias obras, que não foram pagos pelo empreiteiro, tendo cerca de 50 mil euros a receber. Só que, como tinha sido ressarcido indevidamente de um montante superior, a Relação determinou que devolvesse à Lúcios cerca de 3 mil euros.
O JN tentou, sem sucesso, ouvir José Francisco Vieira de Carvalho.
À margem
Rede de contactos
Vieira de Carvalho e os administradores da construtora Lúcios eram amigos pessoais. Ambos decidiram que a rede de contactos do político que viria a ser candidato à presidência da Câmara da Maia, pelo movimento JPP, poderia beneficiar a construtora.
Lóbi assumido
Um dos administradores da Lúcios chamado a depor no Tribunal do Porto assumiu que Vieira de Carvalho fazia "lóbi" graças aos seus "contactos sociais e políticos".