Consulta pública ao Estudo de Impacte Ambiental do projeto termina esta quarta-feira e, só no portal Participa já tem mais de 800 pareceres.
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"Há cinco anos, o concelho de Boticas estava bem mais satisfeito do que está hoje", diz, ao JN, o autarca Fernando Queiroga. Lembra que no dia 19 de abril de 2018 recebeu, em Roma, a distinção de Património Agrícola Mundial, única em Portugal, concedida à região do Barroso (Boticas e Montalegre). Agora, vê-se confrontado com um projeto mineiro que pode ameaçar estatuto e não só.
Não é que para Fernando Queiroga o 19 de abril de 2023 seja um dia triste, porém "é preocupante". Nesta data encerra o período de consulta pública ao Estudo de Impacte Ambiental (EIA) de uma "mina de lítio no concelho de Boticas que vai destruir o património que tanto trabalho deu", acredita o presidente da câmara.
O EIA refere-se ao projeto reformulado da mina que a empresa Savannah Resources quer explorar na área de Covas do Barroso e Dornelas. Esta quarta-feira à tarde já tinha ultrapassado os 800 pareceres no portal Participa, na Internet, e ainda falta apurar os enviados por correio eletrónico e via CTT.
A Câmara Municipal de Boticas mantém o parecer desfavorável à exploração de lítio no concelho. Fernando Queiroga justifica que o projeto reformulado é "um remendo" do anterior, que foi chumbado pela Comissão de Avaliação depois de ter identificado potenciais impactes negativos muito relevantes na agricultura, pastorícia, paisagem, ecologia, recursos de água e no modo de viver das populações locais.
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"Pegaram nos nossos reparos ao projeto anterior e tentaram encobri-los", frisa o edil, notando que "não houve o cuidado de tapar tudo para que o arranjo fosse mais bonito". Realça que "o relatório não-técnico não bate certo com o relatório-síntese", já que "se no primeiro tem dois impactos negativos, no segundo tem oito". Por outro lado, Fernando Queiroga diz "desconhecer os critérios" que levaram a empresa passar de "muito" para "pouco significativo" o impacto da mina na região.
Quanto ao ruído que o funcionamento da mina pode gerar, o autarca diz que "fizeram uma alteração para que apenas exista laboração diurna, mas a lavaria vai continuar a trabalhar 24 horas por dia".
Segundo Queiroga, a redução de poeiras provocadas pelo transporte rodoviário do minério passa pela "sensibilização dos motoristas para reduzirem a velocidade e por regar os caminhos". Acrescenta "ações de sensibilização aos alunos das escolas", mas vê "desaparecer" do projeto a preservação do mexilhão de água doce que "está em vias de extinção". "Esqueceram-se" que o Município de Boticas tem um "investimento significativo no centro interpretativo para a preservação desta espécie e o repovoamento dos rios com ela".
Edil denuncia "tiques de colonialismo"
Na componente social, o autarca botiquense critica a empresa interessada em explorar a mina por chamar "chefes da comunidade" aos eleitos locais. Lembra que Portugal "não é um país africano" e que "há representantes dos munícipes", não aceitando o que diz serem "tiques de colonialismo".
Fernando Queiroga teme ainda que os habitantes que saiam de Covas do Barroso e de Dornelas durante o período de vida útil da mina (16 anos) nunca mais voltem. "Recebem algum dinheiro. Pouco, mas recebem. E alguns podem ser tentados a nunca mais regressar. A perda da população é o meu drama e não é com a empregabilidade que dizem que a mina traz que vêm povoar mais o nosso território", sublinha.
Outra preocupação prende-se com a "decapagem dos solos", que consiste em retirar "15 a 20 centímetros de solo e coberto vegetal, e metê-los em caixas para mais tarde os repor". Ora, "isso é impossível", vinca Fernando Queiroga, porque "no fim da vida útil da mina já está tudo morto e não se consegue repor".
Em suma: "Estou convencido que projetos com bem menos aspetos negativos foram chumbados e que a Agência Portuguesa do Ambiente fará um trabalho correto, muito minucioso e que este processo não avançará".
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