No Porto, 20% da população vive hoje em bairros sociais e há 1300 casas em ilhas (dados de 2001). Se nos bairros a realidade social não muda há décadas, as ilhas têm mudado e estão longe de acabar. A procura por imigrantes tem feito disparar o preço das rendas.
Corpo do artigo
O Porto, juntamente com Lisboa, constitui a grande excepção no país, com uma margem larga da sua população a viver em bairros sociais. Se analisarmos o país todo, apenas 3% da população vive nesses aglomerados habitacionais construídos pelo Estado.
A razão para as duas grandes cidades serem a excepção prende-se com “o processo de industrialização e posterior desindustrialização, que se verificou entre o final do século XIX e o século XX”, avançou Virgílio Borges Pereira, professor da Universidade do Porto. O sociólogo é o responsável por um estudo apresentado, ontem, segunda-feira, sobre “Ilhas, Bairros Sociais e Classes Laboriosas”.
Ou seja, com o início da industrialização no final do século XIX, as cidades transformaram-se em grandes aglomerados populacionais, alterando aquilo que até então era a sua face. Primeiro vieram as ilhas, depois os bairros.
Começaram por construir-se nos espaços livres habitações em fila, com entradas e sanitários comuns, na parte de trás das casas. Essas ilhas ficavam muitas vezes atrás das fábricas, isto é, perto do local de trabalho.
“Em 1939 havia, só no Porto, 40 mil pessoas a viverem em cerca de 14 mil ilhas”, afirmou o sociólogo. No ano de 2001, eram 1300 casas em ilhas. Hoje, não se sabe quantas são ao certo na cidade, mas sabe-se que há um esforço para acabar com elas, por terem condições muitas vezes insalubres e com rendas altas.
A explosão dos Bairros, por sua vez, dá-se nos anos 50 aquando da migração para Porto e Lisboa dos “brancos rurais”. Há, no Porto, por exemplo, “um antes de 1956 e um depois de 1956, altura em que arrancou o Plano de Melhoramento da Cidade do Porto, que significava construir bairros sociais”, acrescentou.
Com os “brancos rurais” acabariam por vir os ciganos, os africanos e um processo de urbanização galopante. Mas nesta altura, já estávamos no processo inverso, ou seja, na desindustrialização. Já não era fácil arranjar emprego na indústria.
Resumindo, se até aos anos 50 a sociedade industrial funcionou, com base no bairro social, após os anos 50, com a desindustrialização em aceleração (isto é, a mão-de-obra a ser substituída por máquinas) e as constantes migrações em massa, a leitura do bairro começa a ser problemática.
“A leitura que se faz dos bairros sociais ainda hoje é problemática”, alertou, acrescentando que “no entanto, os bairros foram muito importantes na trajectória das famílias” e que a tónica se deve colocar “na forma como tudo isto é conduzido pelo Estado”.
Em 1974, houve uma primeira tentativa de alterar a situação, tentando integrar-se essas populações na solução do problema. Ao invés, os processos de transferência para o bairro foram vividos de forma violenta. Essas populações ficaram condenadas à precariedade e, muitas vezes, à economia informal. É o que hoje se verifica.
Mas para Virgílio Borges Pereira, “o modelo de habitação social pode ainda ser válido desde que repensado e planeado”.