Balões carregados de desejos encheram céus do Porto numa noite de regresso à folia
Portuenses ajudaram turistas a lançar balões e houve ainda quem fizesse novas amizades. Marcelo Rebelo de Sousa festejou na Invicta, onde a festa do santo popular "é mais forte".
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Já ia bem alto, mas o olhar de Sheila Schoenbeck não se desviou do balão. Suspirou e pediu um desejo. Qual foi não sabemos. Se nos dissesse, não se realizaria, justificou. A alemã, de 40 anos, está no Porto, com a família, pela primeira vez. A estrearem-se na noite de São João, não podia faltar o balão. Mas como lançá-lo? "Vamos ajudá-los, anda", ouve-se de um grupo de portugueses no meio da multidão que descia a Sé.
Miguel Simões, "o mestre", como lhe chamam os amigos, revela o segredo: "Primeiro é preciso acreditar que ele sobe. Depois, muita paciência e mantê-lo próximo ao chão para não entrar ar frio".
Enquanto Mira, de seis anos, segurava uma ponta do balão, os portugueses faziam o resto. O isqueiro deu chama à acendalha e fez-se silêncio. Um só erro podia incendiar o papel, desperdiçando-se o desejo da mãe de Mira. O balão começa a encher. Enche, enche. "Podem largar", ouve-se. E sobe. Missão cumprida.
"É tradição"
Em festejo, o grupo de amigos, de martelos e copos na mão, desce do Miradouro da Rua das Aldas para o Largo da Pena Ventosa. Preparam-se para lançar o segundo balão da noite. "É tradição. Lançamos todos os anos. Com ou sem pandemia", revela de imediato Adriana Gravato. Depressa chama Jorge Correia. "Ele é que gosta de falar", brinca. "Ai, o JN, que a minha avó leu até morrer", exclama Jorge de imediato, no meio da música alta de Toy, que se fez ouvir durante "toda a noite" pelos bailaricos.
"Peço sempre um desejo. Ainda há bocado estava a dizer aos alemães que eles não sabiam", conta Jorge. Claudino Moura também pede sempre. "Eu só não pedi porque não acreditei que o balão fosse subir", diz Odília Queirós, quase que a desculpar-se. "Mas ainda vou a tempo. Vou pedir no próximo", promete.
Ainda faltava ao grupo lançar mais um balão. Entre o fumo dos assadores, Jorge aponta para Miguel Simões. "Ele é o mestre. Este é que nos lança os balões. Chega, põe a mão em cima e abençoa o balão", brinca.
E Miguel revela outro segredo: "Os balões que se vendem nos chineses são mais fáceis. A abertura é maior. A dos portugueses é mais estreita".
Quem também esteve pela Sé a festejar a noite de São João foi Marcelo Rebelo de Sousa. O presidente da República chegou ao jantar, organizado pela Câmara do Porto, por volta das 21 horas. Este ano, o chefe de Estado, confessou que "tinha que vir" ao São João no Porto. "Depois de dois anos fechados, é o desconfinamento, é o voltar a vibrar com o São João onde ele é mais forte em Portugal, que é, realmente no Porto", observou.
"Sou alfacinha"
"Tenho memória de, todos os anos, lançar um balão em honra da minha filha falecida", confessa Filipa Ventura. "Ó menina", clama o pai, Jorge, "não leve a mal, mas era uma cadela". A família ri, mas a mãe Ângela confirma: "Era mesmo".
Ao miradouro da igreja de São Lourenço chega João Barriga. Numa mão traz o balão ainda no plástico e na outra o filho, de nove anos, com um amigo. "Podem ajudar-me?", perguntou o lisboeta, a viver há quatro anos na Maia. Aquilino Pereira, cunhado de Filipa, não perde tempo: "Claro".
Os dois abrem o balão, enquanto Aquilino explica como lançá-lo. Mas à medida que a conversa avança, o portuense pergunta: "Tu não és daqui, pois não?". João ri: "Não, sou alfacinha". "Ah, eu logo vi", responde Aquilino.
Depois de um atribulado lançamento do balão - nos primeiros minutos parecia que ia incendiar-se -, a conversa entre os dois estendeu-se. No fim, consideraram-se "amigos".
Seguiu-se, à meia-noite, o tão esperado fogo de artifício. Pelas contas do presidente da República, durou "13 minutos e 40 segundos". "Houve um fogo mais curto, e bem, concentrado. Muito variado, muito bonito. Filmei mais de metade porque, de facto, saiu muito bem", afirmou Marcelo.
À saída do Seminário da Sé, onde jantou, uma multidão esperava o chefe de Estado, que distribuiu "selfies" e marteladas. A noite ainda era uma criança.