Pandemia de covid-19 afastou turistas que eram mais de metade dos clientes do espaço localizado no Largo de Chiado, em Lisboa, há 135 anos.
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Entrar na Barbearia Campos, em pleno Largo do Chiado, em Lisboa, é uma autêntica viagem no tempo. Corta-se o cabelo e faz-se a barba em cadeiras de 1926 rodeado de frascos onde se produziam os produtos de cosmética utilizados na época, um samovar, onde se aquecia a água, a primeira máquina de barbear a ser fabricada e outros vestígios dos dois séculos passados. Uma história de 135 anos que corre o risco de se apagar com o fecho do estabelecimento. A pandemia covid-19 afastou os turistas que correspondiam a 60% dos clientes da barbearia mais antiga do país.
Johnny Batista, 37 anos, vive em Annecy, França, mas é na Barbearia Campos, em Lisboa, que faz questão de cortar o cabelo sempre que vem a Portugal. "Hoje vim só fazer a barba. Podia fazer em casa, mas dá-me prazer vir aqui pela sua antiguidade", conta. Descobriu o espaço através de David Beckham, depois do ex-futebolista ter partilhado uma fotografia na Barbearia Campos nas redes sociais "há uns 15 anos". "Achei curioso ele vir aqui de propósito e quis experimentar. Além disso é mais barato, em França corto o cabelo por 50 euros", conta enquanto espera pela sua vez.
Na manhã em que o JN visitou o espaço, vários curiosos entraram para ver este "museu vivo", mas só pelas 11 horas chegou o primeiro cliente. Henrique Almeida, 45 anos, é frequentador habitual do espaço há 12 anos. "Gosto da qualidade do trabalho e do preço. Teria muita pena se fechassem", partilha. Enquanto Elísio Gomes, ali barbeiro há cinco anos, lhe corta o cabelo, Fábio Vieira, a trabalhar na barbearia há menos de um ano, vai a casa de um outro cliente mais antigo que mora ali perto. "Ele gostou de mim e agora vou sempre lá cortar o cabelo ou fazer a barba", explica entusiasmado. Três clientes ainda têm atendimento ao domicílio.
"A Câmara podia comprar"
Foi em 1886 que o bisavô da mulher de José Lopes - sócio por herança, após a morte da mulher - fundou a Barbearia Campos. Chegaram a pagar 70 euros e mais recentemente 355 euros de renda, mas com a alteração da lei das rendas o valor subiu para 2000 euros. "Com a pandemia, perdemos 20 mil euros. Se não fossem os sócios a financiarem, estaríamos falidos, mas não podemos exigir que continuem a pôr dinheiro de algo que não tiram proveito", observa.
O responsável pelo espaço acredita que a solução poderá passar pelo apoio de entidades públicas e por "uma recuperação significativa do turismo". "A Câmara de Lisboa podia comprar o imóvel e arrendá-lo por um valor mais controlado. A nossa capacidade de sobrevivência seria logo restabelecida", acredita.
Pormenores
Caixas personalizadas
Ainda há caixas onde os clientes habituais guardavam o seu pente, tesoura, navalha e sabão que eram utilizados quando iam à barbearia.
Personalidades
Por ali passaram Eça de Queirós, Almada Negreiros, Ramalho Ortigão, Vasco Santana, entre muitas outras personalidades. Atualmente é frequentado por ministros, atores e outros artistas conhecidos.
Mulheres atendidas
Até aos anos 50 a barbearia teve um engraxador e uma manicura. Entre 1920 e 1930, as mulheres eram atendidas em salas separadas na parte de trás de um armário, mas só para cortes mais curtos, como a Beatriz Costa usava na altura.