Número de camas do serviço do Hospital de S. João é insuficiente. Unidade vê-se obrigada a transferir dois pacientes por mês.
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Clara, Matias e Afonso dormem tranquilos sob o olhar atento das mães. Nasceram antes do tempo e estão internados na unidade de Neonatologia do Hospital de S. João, no Porto. O caminho dos prematuros até à alta é longo, o que obriga a uma gestão cuidada da lotação do serviço por parte da equipa médica. As 17 camas, espalhadas pelo "open space" [espaço aberto] no quinto piso, já não são suficientes para acolher todos os que precisam de um lugar nos intensivos ou intermédios.
Por mês, são transferidos dois pacientes - bebés ou grávidas - para outras unidades hospitalares. Por contabilizar está o número de grávidas recusadas por falta de espaço. Com a construção da nova ala pediátrica, a equipa médica espera que a lotação do serviço aumente.
"Esta gestão cria angústia e ansiedade às famílias e aos médicos. Não é saudável o transporte após o nascimento", diz Hercília Guimarães, diretora do serviço, revelando que "está projetado, na nova Pediatria, um maior número de vagas".
"Medo da morte"
A unidade, centro referência no tratamento de várias patologias pediátricas, deixou o piso dois aquando do início da construção da Pediatria. A obra está parada desde 2016. Hercília Guimarães reconhece que, de todos os serviços deslocalizados, "a Neonatologia teve muito sorte". Quando são precisas vagas, o internamento no "Joãozinho", instalado em contentores há quase uma década, não é a primeira opção.
"Não é o costume [irem para o Joãozinho] porque as condições não são as melhores. Tentamos ver qual é o hospital próximo da zona de residência", explica.
Dos cerca de 2500 bebés que nascem anualmente no S. João, 250 são prematuros. É na Neonatologia que, todos os dias, se salvam vidas. O amor está sempre lá. O receio também. No "open space", saltam à vista as caixinhas de vidro e os tubos que cobrem o corpo dos pequenos lutadores. Aos pais e às crianças é assegurado acompanhamento psicológico. "Nas primeiras 24 horas, há sempre contacto com a mãe. Numa primeira fase, têm medo da morte. À medida que o tempo vai passando, são as sequelas", refere Sara Almeida, psicóloga da unidade há sete anos.
O S. João disponibiliza ainda cuidados adequados ao comportamento de cada bebé, através do programa NIDCAP, privilegiando a aproximação às famílias. "Observamos o bebé para ver como reage e depois elaboramos um relatório onde preconizamos cuidados para a criança", explica a médica Fátima Clemente.
SITUAÇÃO RARA
O Salvador foi um caso inédito. Ninguém sabia o que ia acontecer
Salvador, nascido de uma mãe em morte cerebral, tem dois meses e está a evoluir favoravelmente. Quinze dias após a alta, o bebé teve a primeira consulta no Hospital de S. João, onde continua a ser seguido. "O Salvador foi um caso inédito. Ninguém sabia o que ia acontecer. Fomos vivendo a situação e as coisas evoluíram bem até ao momento", disse Hercília Guimarães, diretora do serviço de Neonatologia. A mãe, Catarina Sequeira, ficou em morte cerebral quando estava grávida de três meses. A criança nasceu com 1700 gramas e 40 centímetros.
Senti que era mãe de colo vazio
Sentado no colo da mãe, Gustavo Santos é um bebé bem disposto e brincalhão. Deixou o útero materno há nove meses, às 24 semanas e quatro dias de gestação. Nasceu no Hospital de S. Sebastião, na Feira, mas, ao fim de uma semana, foi transferido para o S. João. Começou uma luta de mais de cinco meses nos cuidados intensivos.
"O diagnóstico apontava para uma hemorragia cerebral e com suspeita médica de uma perfuração intestinal. O próprio transporte foi um risco, ele podia não ter aguentado", recordou a mãe, Joana Santos, garantindo que ao longo da gravidez nada fazia prever o nascimento prematuro.
"Comecei com a perda do rolhão mucoso. Fui de imediato à médica obstetra que me seguia e iniciamos todos os cuidados desde repouso e medicação para tentar evitar o parto", explicou.
Gustavo pesava 700 gramas e media 30 centímetros
Quando veio ao mundo, Gustavo pesava 700 gramas e media 30 centímetros. "Fisicamente fiquei como nova, a nível emocional é que as feridas são extremamente profundas. Foi uma fase muito complicada", disse a jovem de 31 anos que, por ser enfermeira, estava mais consciente dos riscos que o filho corria. "Sabia que a probabilidade de ele sobreviver era muito reduzida e eu podia perder o meu filho", contou.
Gustavo "passou por cinco ou seis cirurgias". Joana apoiou-se no filho, a quem deu colo pela primeira vez aos dois meses de vida. "Se ele estava a portar-se tão bem e a ultrapassar todas as adversidades assim tão pequenino, eu também tinha que ser forte", confessou.
Passados 157 dias de internamento, chegou o momento mais desejado: levar o Gustavo para casa. "Quando ele nasceu, senti que era mãe de colo vazio. Não tinha o meu filho comigo. Após a alta, senti-me mesmo mãe", afirmou.
Na Neonatologia do S. João, as enfermeiras que cuidaram do Gustavo tornaram-se "tias". "Não quero perder o contacto com a unidade porque o meu filho sobreviveu graças aos profissionais que são anjos na terra", referiu Joana.
Não é suposto ser assim. É contranatura
Leonor Rocha deixou a Neonatologia do Hospital de S. João, no Porto, há sete anos, mas o tempo não apagou da memória da mãe, Susana Dias, os passos a cumprir antes de entrar na sala que congrega os cuidados intensivos e intermédios num só espaço. "Temos que lavar e desinfetar as mãos e vestir uma bata", recordou Susana, de 41 anos.
Leonor foi uma filha desejada e a gravidez correu normalmente, sem que nada fizesse prever um nascimento prematuro, às 28 semanas e um dia de gestação. "Tive uma dor nas costas que se tornou insuportável. Vim ao hospital e depois de uma ecografia fui direta para o bloco [operatório]", contou Susana Dias, que teve uma pré-eclampsia.
É uma sensação muito estranha. Entramos na sala e não percebemos qual é o nosso bebé
Após a cesariana, Leonor, atualmente com sete anos, ficou dois meses e oito dias internada. Susana Dias conheceu a filha "três ou quatro dias" após o parto. "É uma sensação muito estranha. Entramos na sala [de internamento] e não percebemos qual é o nosso bebé. Num parto normal, ele nasce e está logo connosco. Aqui [na Neonatologia] são muitas caixinhas de vidros e se não nos disserem, não sabemos qual é", referiu.
Aquando do parto, Leonor pesava 860 gramas e media 34 centímetros. "Aprendi a ouvir as máquinas, os enfermeiros e os médicos. Não é suposto ser assim, é contranatura", desabafou.
"Na entrada da unidade havia quadros com a história de crianças que nasceram com 500 gramas, e que aos quatro anos estavam bem e na escola. Dava uma noção de normalidade que aqui dentro deixamos de ter", acrescentou a mãe.
Crente que a filha tinha uma "estrelinha" na incubadora a olhar por ela, Susana Dias afirma que Leonor "esteve quase sempre bem". "Teve apenas uma semana muito crítica com uma infeção generalizada. Saíamos e não sabíamos o que íamos encontrar no dia seguinte", disse.
Susana Dias juntou-se à Associação de Pais Prematuros. "Trazemos uma mensagem de esperança. Tentamos fazer a ligação entre pais com filhos com a mesma patologia", explicou.