Chama-se Integração, mas tem uma parede à frente. "De um lado estão os ciganos, do outro as vivendas", lamentam os moradores, que apontam mais problemas. Um muro de dois metros isola bairro social em Leiria.
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A tristeza de Júlia Mafra, 78 anos, está estampada no rosto. "Até fico afrontada a olhar para isto. Sinto falta de ar", confessa. "Isto" é um muro com perto de dois metros de altura que lhe construíram à porta de casa, no Bairro Social da Integração, e que a impede de olhar para a paisagem verde, que se perdia até ao horizonte. Apesar de os 47 habitantes estarem satisfeitos com as obras efetuadas nas 18 casas, que voltaram a ganhar dignidade, o descontentamento com o muro e com a intervenção no espaço público é generalizado.
"Dizem que nos temos de integrar na sociedade, mas construíram aqui um muro de Berlim. Deste lado, são os ciganos, dali são as vivendas. É o nosso muro da vergonha", observa a filha, Sandra Mafra, 50 anos.
Carros danificados
Além dos moradores da parte de baixo do bairro sentirem que vivem numa prisão, o muro é demasiado estreito na zona da curva, pelo que está a provocar danos nalguns veículos.
"As carrinhas roçam no muro", garante Lúcio Miguel, 52 anos, enquanto aponta para as marcas de tinta na parede. Os que se afastaram do muro e optaram por se aproximar da casa, junto à curva, bateram na caleira, já amolgada.
"Quando a minha sogra se mudar para cá, não sei como vai ser, porque a ambulância não vai passar aqui e ela tem de fazer diálise quatro vezes por semana", comenta Lúcio Miguel. "É por isso que só há um contentor do lixo à entrada do bairro", acredita Miguel Fernandes, 76 anos, que considera insuficiente para 18 habitações.
Mas o que o deixa mais preocupado é o facto de o escoamento da água dos telhados de quatro casas, uma das quais onde habita com Júlia, ser feito através de um cano instalado a meio da parede do seu pátio. Quando chove, a água fica acumulada no chão, pois não foi colocada nenhuma grelha no pavimento, o que o obriga a estar sempre a empurrá-la com uma vassoura até à estrada, para evitar que lhe entre pela casa dentro.
A falta de estacionamento é outro dos problemas, pois só existem 10 lugares e defendem que cada casa necessita de dois, por causa das carrinhas onde transportam as roupas que vendem nas feiras e nos mercados. "Andamos sempre aqui a ralhar uns com os outros, por causa disso", conta Sandra Mafra. Embora sejam visíveis várias viaturas estacionadas na estrada de acesso ao bairro, alguns habitantes optam por ocupar parte dos passeios para esse fim, pelo que Miguel Fernandes teme que não resistam ao peso e as pedras se soltem.
Para os moradores, a solução passa por usarem um terreno disponível, ao lado das casas, para fazerem um parque de estacionamento. Todas estas situações são do conhecimento da Câmara, que investiu mais de 556 mil euros na recuperação das 18 habitações e do espaço público envolvente. As obras incluíram infraestruturas, substituição de coberturas, caixilharias, pisos, pintura e colocação de novo mobiliário de cozinha e de casa de banho.
2,3 milhões de euros é o valor investido pela Câmara de Leiria nos bairros sociais da Almuinha (29 4950 euros), Sá Carneiro (876 885), Cova das Faias (661 311) e da Integração (556 604 euros), desde 2016. Do montante total, 1,6 milhões de euros são provenientes de fundos comunitários.
Para definir propriedade, justifica a Câmara
Confrontada com as críticas, a vereadora do Desenvolvimento Social da Câmara de Leiria, Ana Valentim, justifica a construção do muro com a "necessidade de definir os limites do terreno com os terrenos adjacentes" e refere que é "intenção do Município que seja objeto do projeto Paredes com História" (intervenção artística). Não esclareceu, contudo, por que motivo é tão alto.
A autarca diz ainda que "a requalificação cumpre todas as normas de acessibilidades e de mobilidade, nomeadamente acesso a veículos de emergência", adiantando que será lançada uma empreitada para criar um lugar de estacionamento por morador e que já foi pedida a instalação de um segundo contentor do lixo. Refere também que "está agendada uma visita ao bairro com a empresa que executou a obra".