Comunidade queixa-se de assédio com novo pedido de servidão administrativa no Barroso
A Comunidade Local de Baldios de Covas do Barroso e vários proprietários privados foram notificados pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) para “a provável autorização” de uma segunda servidão administrativa na área de concessão da Savannah Resources na freguesia de Covas do Barroso.
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A empresa mineira visa expandir os trabalhos de prospeção de lítio através da instalação de 51 plataformas de sondagens e 229 poços geotécnicos. "Para além de aprofundar a agressão, o recurso a uma nova servidão administrativa demonstra que a Savannah continua a não ter o consentimento da comunidade local de baldios e da grande maioria dos particulares", diz a Comunidade Local dos Baldios de Covas do Barroso (CLBCB), em comunicado enviado esta manhã às redações. "Tanto os terrenos já sujeitos a servidão como aqueles que são objeto deste novo pedido representam a quase totalidade da área de que a empresa precisa", lê-se no documento.
Este é o segundo pedido de servidão administrativa, depois de um primeiro, a 6 de dezembro, que permitiu à Savannah acesso a 49 parcelas, 38 dos baldios e 11 privadas, para abrir 63 plataformas de exploração. O despacho foi emitido pela ex-secretária de Estado do Ambiente Maria João Pereira, segundo o jornal “Expresso”, sem conhecimento da ministra Maria da Graça Carvalho, que foi reconduzida na mesma pasta no elenco do XXV Governo, saído das eleições de 18 de maio. O JN questionou o Ministério do Ambiente, até ao momento sem resposta, sobre a posição que vai adotar em face deste novo pedido
"Neste momento, o Ministério do Ambiente não tem conhecimento formal do pedido de servidão – o que acontece apenas uma vez concluído todo o procedimento administrativo a tramitar pela DGEG", disse fonte do ministério de Maria da Graça Carvalho. Em resposta ao JN, explicou que Direção-Geral de Energia e Geologia “está a cumprir essa obrigação legal, tendo notificado os proprietários para, no prazo legal, apresentarem observações ou elementos de defesa”, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Decisão sobre servidão é do Ministério do Ambiente
"Como o processo ainda não subiu à tutela para decisão, não existe qualquer posição sobre este assunto" por parte do Ministério do Ambiente e da Energia (MAEn), esclarece o Governo. Sublinhando que “a competência para a autorização final de concessão ou não da servidão, através de despacho, é do membro do Governo responsável tutela específica (Ministra do Ambiente e Energia, ou Secretário de Estado Adjunto e da Energia, se tiver para tal competência delegada)”, o Governo diz que “a DGEG emite um parecer técnico” e pode indicar a proposta de sentido provável”, que no caso é favorável.
O MAEn explica que a DGEG “elabora análises técnicas e fundamentadas, nos termos da legislação setorial, fornecendo um contributo para a decisão, e garantindo que quaisquer decisões a tomar superiormente cumprem as normas legais e regulamentares aplicáveis” e lembra que “a decisão política final é do membro do Governo”. Uma tomada de posição “que pondera todos os fatores legalmente relevantes, e pondera os vários interesses eventualmente em conflito, incluindo eventuais condicionantes ambientais, pareceres de outras entidades, direitos dos proprietários e interesse público.”
A Comunidade Local tem dez dias para se pronunciar "relativamente ao provável sentido favorável de uma decisão final” ao pedido de constituição de servidão administrativa, requerido pela empresa Savannah Lithium Unipessoal, Lda, diz a DGEG. A justificação deste pedido é a mesma do anterior: "a necessidade de definir, com rigor detalhado, as áreas e volumes de exploração, por forma a apresentar o Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAP) no âmbito do licenciamento ambiental", cuja licença foi concedida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em 2023, condicionada aos resultados do RECAP.
Na descrição dos trabalhos, a DGEG diz que será necessário instalar 60 plataformas com 200m2 cada par a máquina das sondagens. Para os 272 poços geotécnicos, será aberta uma vala "cuja profundidade não excederá os dois metros", que depois será preenchida na totalidade. A empresa compromete-se “a reparar qualquer dano que possa ocorrer nas propriedades durante a operação”, acrescenta a DGEG na notificação envida a 23 de maio.
Segundo o mesmo documento, a Savannah vai pagar mil euros por cada plataforma e 250 euros por cada poço. O montante a da indemnização à Comunidade Local dos Baldios ascende a 109 mil euros, uma vez que a empresa tinha previsto 52 plataformas e 229 poços nos terrenos da CLBCB.
Alerta da Comissão Europeia
A 7 de maio, a Comissão Europeia (CE) disse que Portugal falha ao permitir que se façam prospeções e explorações mineiras em zonas de proteção da Natureza, com o argumento de que depois serão reparados. "Em contradição com a Diretiva Habitats e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a legislação portuguesa permite considerar medidas compensatórias para danos previstos ao avaliar se um projeto é ou não prejudicial, comprometendo assim o resultado da avaliação do impacto significativo nos sítios Natura 2000", anunciou.
O JN questionou, a 22 de maio, a APA e a DGEG sobre este alerta da CE, nomeadamente se admite rever a atribuição de licenças de prospeção, nomeadamente em sítios de natureza protegida, como Covas do Barroso, Património Agrícola Mundial desde 2018. Foi também perguntando se consideravam rever ou impor limites ao tamanho das plataformas aqui e noutros locais de prospeção mineira. Até ao momento, nenhuma das entidades respondeu.
Vigilância e uso de câmaras ocultas
As populações de Covas do Barroso e Romainho alertam ainda para "um crescendo de agressões", entre as quais identificam a presença de segurança privada 24 horas, tanto nas áreas habitadas como nas serras, que "gera um sentimento de insegurança e de invasão" na população local.
A Comunidade Local denuncia o "aparecimento de novos equipamentos de videovigilância que incidem sobre a via pública, incluindo recurso a câmaras ocultas", que "violam o direito à privacidade das populações e aumentam o sentimento de vigilância permanente". De acordo com Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), “as câmaras não podem incidir sobre as vias públicas, propriedades limítrofes ou outros locais que não sejam do domínio exclusivo do responsável” pela instalação das mesmas.
Segundo o comunicado, além do "desconforto por se sentirem constantemente vigiados", vários habitantes dizem que têm "dificuldade em descansar devido ao ruído dos motores durante a noite" e queixam-se de falta de "segurança rodoviária fruto de condução perigosa" alegadamente de trabalhadores de empresas ao serviço da Savannah. O JN questionou a companhia mineira, que não quis comentar as acusações.
"Pese embora todas estas agressões, as populações de Covas do Barroso e Romainho manter-se-ão firmes e resistirão com todos os meios ao seu alcance", diz o comunicado. "Responsabilizamos inteiramente o Governo pelo escalar da resistência caso decida autorizar uma segunda servidão. Não vamos desistir”, acrescenta a Comunidade Local.