O impacto da pandemia do novo coronavírus no setor da ourivesaria de Gondomar está a ser devastador, nomeadamente junto dos pequenos fabricantes.
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Muitos já fecharam as oficinas e outra grande parte vai fazê-lo em janeiro. Trata-se de uma forte machadada num setor empresarial que é a imagem de marca deste concelho da Área Metropolitana do Porto.
"Estávamos com imensas encomendas, mas desde março tudo mudou e a situação está muito complicada. No meu caso as quebras chegam aos 95%", conta Conceição Neves, empresária de ourivesaria e filigrana, a arte do delicado rendilhado considerada o ex-líbris de Gondomar.
Conceição tinha acordos com agências de viagens e, através da iniciativa municipal Rota da Filigrana, o empresário Mário Ferreira direcionava dos seus cruzeiros no Douro os turistas até à sua oficina com loja em Jovim onde fazia demonstrações ao vivo. "Fiz dez mil euros nos meses de janeiro e fevereiro. Desde março só faturei 700 euros", acrescenta, desolada, acrescentando que despediu dois funcionários e mandou para casa os estagiários que recebia do Cindor, o Centro de Formação Profissional da Indústria de Ourivesaria e Relojoaria.
Para não fechar, conta agora com a ajuda de Andreia Rodrigues, outra estagiária que vê o seu futuro na área "de forma sombria", e de Isabel Barbosa, a mãe que vai ajudando embora os seus olhos "comecem a não conseguir colaborar".
"O grande problema é que os apoios que existem vão para os grandes tubarões da ourivesaria, que têm bons conhecimentos e são bem relacionados. E depois encharcam a contrastaria com obra muita dela importada da China. É esta a marca Gondomar", refere Carlos Almeida, comerciante com um pequeno espaço frente à Câmara de Gondomar onde vende peças de três pequenos fabricantes que usam apenas métodos artesanais.
Tristeza tremenda
"A política dos apoios devia ser mais séria e ajustada à realidade", defende Carlos Almeida, comerciante da Lojinha do Ourives. Conceição é da mesma opinião, sente-se "esquecida e uma tristeza tremenda por ver o projeto de um sonho quase a fechar".
Manuel Oliveira está a vender no átrio do centro comercial Parque Nascente, mesmo ao lado de um outro comerciante que vende "muito mais" peças baratas de pechisbeque.
Desalentado esteve sem vender nada desde o início da pandemia. Está ali na pequena banca há dois meses e "novembro foi um caos". Tenta agora vender 90% das peças que fabricou nos meses de janeiro e fevereiro. Se faturasse 60% do que fazia antes "já ficava satisfeito".
Contactada, a associação que representa o setor diz estar a desenvolver "diligências junto dos Ministérios no sentido de desenvolver um pacote específico de medidas".
O impulso dado por Sharon Stone
Durante décadas, as peças de filigrana estiveram ligadas ao folclore e o uso sempre associado ao Portugal rural de oitocentos. A moda da filigrana viria contudo a tornar-se planetária em 2014 quando a atriz Sharon Stone foi fotografada a passear numa rua de Beverly Hills, nos EUA, com um coração de Viana ao peito, que lhe havia sido oferecido pelo empresário Mário Ferreira.
Pormenores
60,3% em lay-off -No segundo inquérito, realizado pela Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal em finais de abril, das 78 empresas inquiridas, 60,3% encontravam-se em lay-off total, 11,5% em lay-off parcial e 14,1% tinham encerrado a atividade.
Setor a crescer - Um estudo encomendado à Deloitte refere um crescimento de 17% do volume de negócios, entre 2015 e 2018, para os 1049 mil milhões de euros. Um aumento do número de trabalhadores na ordem dos 20% (10 337). As exportações alcançaram máximo histórico, com crescimento de 23%, para os 208 milhões de euros.