Pescadores lúdicos arriscam a vida em canal destinado a navios. Dinheiro da venda de robalo dá para pagar multas e muito mais. Instauradas 325 contraordenações nos últimos cinco anos.
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O crime compensa à entrada do Porto de Aveiro. Quase dia sim, dia sim, há pequenas embarcações de recreio com pescadores lúdicos a apanhar robalo e dourada no canal da embocadura que dá acesso às instalações portuárias destinado exclusivamente aos navios mercantes e barcos de pesca profissional. É como se numa autoestrada destinada a camiões TIR se atravessassem regularmente carrinhos "papa-reformas". Sendo que navios com mais de 100 metros não param quando querem e por onde passam, devido à sua dinâmica, sugam o que está nas imediações.
Foi o que aconteceu, não há muito tempo, com o proprietário de um pequeno barco, que estava onde não devia. Apanhado pelas correntes, embateu várias vezes lateralmente no navio, mas conseguiu escapar ileso. No final, quando se apercebeu do "milagre", foi às lágrimas.
A história é contada pelo comandante do Porto de Aveiro, Silva Rocha. "O crime compensa porque o dinheiro que conseguem com a venda do peixe dá para pagar as multas e ainda ganham dinheiro. Passamos contraordenações, mas o problema mantém-se há décadas", lamenta. Só nos últimos cinco anos foram passadas 325 multas pela Polícia Marítima (ver caixa), revela ao JN a Capitania de Aveiro. As coimas variam entre 100 e 1000 euros para pessoa singular e vão de 250 a 10 mil euros se forem pessoas coletivas.
"Pagam o barco num ano"
O local da infração, decorrente da violação do regulamento que estabelece as Normas de Segurança Marítima e Portuária do Porto de Aveiro, é apetecível porque é um bom pesqueiro. Especialmente quando a ondulação atrai robalo. "Não têm vergonha nenhuma. Vão para as redes sociais vangloriar-se do dinheiro que fazem num dia a pescar na zona proibida. Há quem faça 100 euros, mas há também quem diga que conseguiu 250 euros com a venda do peixe aos restaurantes", assegura João Paulo Lopes, presidente da Associação de Pesca Artesanal da Região de Aveiro (APARA). A situação, diz João Paulo Lopes, "prejudica os pescadores profissionais porque os donos dos restaurantes deixam de ir à lota comprar o nosso peixe, optando por comprar o pescado ilegalmente, fugindo ambos ao pagamento de impostos".
A APARA queixou-se recentemente da situação ao ministro e à secretária de Estado das Pescas, de quem aguardam uma resposta. "Muitos dos pescadores lúdicos, de lúdicos não têm nada. Com uma licença de meia dúzia de euros ganham mais que nós, que vivemos disto e pagamos taxas caríssimas, e fazem o que querem, chegando ao ponto de nos insultarem quando os avisamos, a pedido dos Pilotos, para saírem de locais proibidos, ou quando, em zonas permitidas, lançamos as redes próximas deles", revela o pescador e dirigente associativo.
Segundo o comandante da Capitania, a situação só poderá ser alterada se a lei for mais penalizadora. Caso contrário, acrescenta o presidente da APARA, a situação tende a agravar-se porque serão cada vez mais. "Os pescadores lúdicos gabam-se com os amigos, dizendo que vale a pena investir 15 mil euros num barco porque o pagam num ano com o dinheiro da venda do peixe. Isto incentiva a que cada vez mais haja não profissionais a pescar", prevê João Paulo Lopes.
Este ano
34 processos de contraordenação foram instaurados este ano (até 30 de setembro) pela Polícia Marítima de Aveiro. Nos anos anteriores foram passadas 62 multas em 2016, 76 em 2017, 74 em 2018 e 79 em 2019, totalizando assim 325 nos últimos cinco anos.