Passaram 13 anos desde que fecharam as três salas de cinema existentes em Bragança, por falta de procura, com sessões resumidas a meia dúzia de espectadores, e os espaços acabaram transformados em lojas, confirmado o desinteresse de exibidores.
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Desde então, a única exibição de filmes resume-se à programação do Auditório Municipal Paulo Quintela, um "esforço enorme" da autarquia, para manter viva a atividade cinematográfica na cidade capital de distrito.
As antigas salas de cinema estavam no 'shopping' e eram exploradas por uma empresa privada, mas, devido à baixa procura, quando o contrato do uso do espaço terminou, em 2012, a empresa não quis renovar.
A explicação foi dada por Mariema Gonçalves, diretora do 'shopping'. À Lusa, esclareceu que foi feito um estudo e uma análise da utilização do cinema e o resultado foi "negativo", com a sala "vazia" no horário da meia-noite, às sextas-feiras e sábados, e, nas restantes horas, a média de visualização era apenas de "quatro ou cinco pessoas, 12 no máximo".
Face ao "prejuízo", Mariema Gonçalves disse que o contrato não foi renovado e, "ao longo de cinco anos", o 'shopping' tentou encontrar outras empresas do ramo, mas "não manifestaram interesse".
Com as três salas de cinema fechadas há vários anos, a diretora entendeu que estava na altura de alterar o espaço e de o transformar em lojas, para que assim se tornasse mais rentável.
"Gostávamos muito de ter as salas, sabíamos que Bragança ia ficar sem cinema. Ainda estiveram muito tempo fechadas, mas não tivemos alternativa", disse.
Para a responsável, o surgimento de plataformas, como o 'stremio', afastou as pessoas do cinema, visto que significa "uma despesa maior", com a compra de bilhete e também de pipocas e até de bebida.
"As pessoas têm muita pena de o cinema ter ido embora, mas não vinham. As pessoas não aderiam. Tínhamos imensas vezes a sala a passar o filme para uma pessoa", lamentou, acrescentando que, devido à falta de adesão, quando os filmes chegavam a Bragança já tinham passado noutras salas de cinema.
Confrontada com a possibilidade do regresso do cinema ao 'shopping', a diretora disse já não ser possível, uma vez que já não está adaptado para o efeito.
Para colmatar esta falha, a Câmara Municipal de Bragança disponibiliza exibição de filmes, às sextas-feiras, sábados e domingos, no auditório Paulo Quintela.
O espaço não tem as condições de cinema, nomeadamente no que toca ao som, mas foi a alternativa que o município encontrou para não deixar morrer a sétima arte na capital de distrito.
O presidente do município, Paulo Xavier, salientou que tem sido feito um "esforço enorme" para terem um "cinema de qualidade", com "filmes atualizados", e que "enquanto houver pessoas interessadas, mesmo que seja só uma", a câmara municipal manterá o cinema no auditório Paulo Quintela.
"O município, com todo o esforço financeiro, fez os possíveis para que não acabasse o cinema", afirmou.
Segundo o autarca, o fecho das salas de cinema é um reflexo da sociedade atual, com aparecimento de várias plataformas, que vieram "substituir" esta arte. "Mesmo os grandes centros urbanos têm reduzido substancialmente as salas de cinema, por causa das plataformas", disse.
Além dos filmes disponibilizados no auditório Paulo Quintela, no Verão, o município, durante várias semanas, disponibiliza cinema ao ar livre na Praça Camões, o que tem sido um "sucesso".
Paulo Xavier adiantou à Lusa que por ser "diferente", torna-se "mais atrativo" e, por isso, tem "milhares de pessoas" a assistir.
Por outro lado, o Teatro Municipal de Bragança representa um contraste de realidades, entre cinema e teatro.
A taxa de ocupação da sala, com cerca de 400 lugares, é superior a 80%, mas estes números não se devem à adesão do público mais jovem.
"Têm 50% de desconto em todos os espetáculos e mesmo assim não vêm. Mesmo os alunos de artes vêm muito pouco ao teatro. Na minha perspetiva, não faz muito sentido", afirmou o diretor deste espaço cultural.
Numa cidade com ensino superior (Instituto Politécnico de Bragança), João Cristiano Cunha expôs à Lusa que "os jovens", que "são a massa crítica" e os "profissionais de amanhã", têm hábitos culturais que "deixam um pouco a desejar" e, por isso, esta é a justificação que encontra para a falta de adesão ao cinema.
"É um bocadinho preocupante, porque temos a questão do 'stremio', redes sociais, o imediatismo. Estamos a viver numa sociedade de 'polegar desenvolvido'", criticou.
O teatro de Bragança, embora seja essencialmente palco para espetáculos de dança, música e teatro, abre também as portas à cinematografia, com "cinema de autor e documentários".
Para o diretor, não faz sentido passar cinema "comercial", visto que seria "um pouco redutor" para "uma sala de espetáculos como o teatro municipal de Bragança, de artes performativas".
Além disso, iria comprometer a frequência dos espetáculos, que acontecem todas as semanas. "Por exemplo, quarta-feira temos um espetáculo e temos outro sábado, desmonta-se quinta-feira e monta-se sexta para o espetáculo de sábado. O teatro nunca pára. Se tiver cinema, o teatro tem de parar as montagens no palco e isso faz com que passássemos a ter um espetáculo por semana ou de 15 em 15 dias", explicou.
Mas o cinema em Bragança teve, em tempos, momentos áureos.
Recuando no tempo, em 1974 surgiu o cinema São José, no hotel Torralta, em plena Avenida Sá Carneiro, a rua principal da cidade. Ali chegaram a ser passados filmes três vezes por semana, com grandes estreias, mas em 2006 já se antevia o que viria a ser o futuro do cinema na cidade.
A procura diminuiu e, em 2008, esse velho cinema foi mesmo fechado, quatro anos antes do último reduto, no 'shopping' da cidade.
Anos mais tarde, em 2016, um incêndio destruiu o espaço, restando apenas as memórias.
O hotel está neste momento fechado e com grandes sinais de degradação.
Noutros concelhos do distrito de Bragança, como Mogadouro, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Vimioso, Miranda do Douro ou Vila Flor, são também as autarquias que investem na exibição. Por vezes, há mesmo casa cheia, com Mogadouro a apresentar sempre filmes atuais e "uma sala arranjadinha de espectadores".
Os filmes são exibidos nos auditórios municipais ou similares, e sempre com filmes atuais do circuito comercial.
Segundo o chefe de divisão da Câmara de Vimioso, Paulo Braz, em 2023 houve um investimento de cerca de 60 mil euros para dotar o auditório da Casa das Artes e Ofícios com equipamento digital.
"Temos sessões de cinema aos fins de semana. Este é serviço público prestado pela autarquia em que o equipamento é municipal, sendo feito um contrato para três anos com uma distribuidora de filmes", com os bilhetes a custarem 1,5 euros para crianças e dois euros para adultos.
"É um investimento que não dá para pagar o aluguer dos filmes, os custos com aquecimento [da sala] e toda a logística. É sim um serviço público prestado à comunidade. Com um média de assistência de 25 espectadores por sessão, dependendo do filme exibido".
No caso de Mogadouro, houve um investimento considerável na aquisição de material de projeção digital, com filmes a serem exibidos aos fins de semana, com exceção do mês de agosto devido às festas locais.
A vereadora da Cultura do município de Mogadouro, Márcia Barros, disse que há cinema todos os fins de semana no concelho, em duas sessões, "com uma sala arranjadinha de espectadores e sempre com filmes mais atuais do circuito comercial".
"Temos inclusive pessoas que vêm ao cinema a Mogadouro de concelhos vizinhos. O investimento nos equipamentos e projeção de filmes é da responsabilidade do município em que os bilhetes custam 2,75 euros [para espectadores] a partir dos seis anos", disse.