Daniel Campelo despede-se da Câmara de Ponte de Lima mas assegura que não abandona a causa pública. "É algo que me está no sangue", vinca.
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Para trás ficam 16 anos de liderança autárquica, marcados pela defesa do mundo rural e insubmissão ao poder. A greve de fome no Parlamento torná-lo-ia conhecido dentro e fora de portas, ao passo que a viabilização dos Orçamentos de Estado do PS valer-lhe-ia a suspensão do CDS-PP. Confiante, considera que as opções tomadas foram "eficazes" e que, "provavelmente", tornaria a fazer o mesmo.
Notícias houve que davam conta que se afastava da Câmara por motivos pessoais e, mesmo, de saúde. Corresponderam, de alguma forma, à verdade?
Não. Não há nada de verdade nisso. Motivos pessoais existem, uma vez que se trata de decisão tomada há quatro anos. Disse, então, que era o meu último mandato à Câmara de Ponte de Lima. E disse porque acho que há coisas que devemos fazer na nossa vida e não o podemos fazer em determinados cargos. E há também uma questão muito importante: ninguém deve perpetuar-se em nenhum cargo político. Sou a favor da limitação de mandatos. Sempre disse que deveriam ser dez anos, no máximo. Dois mandatos de cinco anos, uma vez que acho que os mandatos deveriam ser de cinco anos e não de quatro. A lei diz que são três mandatos de quatro anos cada um, o que dá um total de 12. É um princípio saudável e nada tenho a obstar. Tomei essa decisão há quatro anos e não tem qualquer outra interpretação. Mas estou disponível para continuar o meu serviço à comunidade e à causa pública. É algo que me está no sangue.
Houve também quem dissesse que poderá ser o rosto de uma candidatura a Viana do Castelo, em 2013...
Houve quem dissesse muita coisa. Até quem dissesse que era agora, mas nunca coloquei essa hipótese. Não posso dizer nunca. Em política não devemos dizer nunca. Se em 2013, ou depois, existirem condições e sentir motivação para um projecto político, poderei vir a integrá-lo. A Viana do Castelo ou a qualquer outro município onde me sentir bem. Não repudio essa possibilidade, mas acho-a muito pouco provável.
Na Mesa dos Quatro Abades, onde anunciou que não se recandidataria à Câmara, fechou uma porta, a da Autarquia, mas abriu outra, a da Regionalização. É, para si, o maior combate que se avizinha?
É verdade. O combate mais importante que o país tem pela frente é o de criar regiões administrativas com operacionalidade e eficácia, que sejam capazes de gerir e de distribuir muito melhor os recursos que o país tem. O pior que Portugal tem hoje é o centralismo, não só no aspecto político como ao nível das empresas. Tudo isso está centralizado num pequeno espaço, o que impede o desenvolvimento global do país. O maior desafio que o país tem pela frente é o da criação das regiões administrativas, com capacidade de lutar para fazer melhor. E estou disponível para esse combate. Eu sempre acreditei nisso. Hoje as pessoas já interiorizaram que o país deve ter cinco regiões. Já não vamos discutir limites nem número de regiões. Cada vez há mais defensores da Regionalização, pessoas que entendem que esse é o único caminho para o país ser mais equilibrado e mais justo. A criação das regiões não representa um custo, mas um benefício.
Em Fevereiro de 2000, a greve de fome que fez no Parlamento em defesa do queijo "Limiano" catapultou o seu nome. Tornaria a fazer o mesmo?
Sim. Provavelmente não da mesma forma. Porém, naquele momento, foi o melhor meio de denunciar uma injustiça praticada contra o município de Ponte de Lima e, enquanto representante desse município, tinha a obrigação de buscar a forma mais eficaz para essa denúncia. Não estou arrependido de o ter feito. Houve, naturalmente, pessoas que interpretaram mal, ou com maldade, mas a questão nunca foi por causa do queijo e sim de um direito, que é o direito ao nome e ao que é de facto nosso. Entendemos e aceitamos que as empresas têm de ter liberdade para abrir ou fechar. Nunca foi esse o problema. O problema foi usarem o nosso nome em benefício de terras e de pessoas fora do nosso território. Passados estes anos todos, verifico que a medida tomada foi eficaz. Continuamos, porém, nos tribunais, à espera da decisão. É lamentável que a justiça em Portugal leve cinco anos para decidir qual o tribunal competente para julgar um facto. Um país que leva cinco anos para decidir qual o tribunal competente para julgar uma matéria desta natureza é um país adiado, a precisar de reforma.
Aquando da sua viabilização dos Orçamentos de Estado do PS, episódio que ficaria conhecido por "Orçamento do Queijo", disse que garantiu vários investimentos para o distrito. Mas vários disseram, então, que esses investimentos estavam já previstos.
O meu voto não foi para pedir coisas novas, mas para exigir o cumprimento de compromissos antigos. Essas obras estavam todas previstas, ou quase todas. A minha luta é a de exigir responsabilidade a quem assume compromissos. Não pedi nada de novo nem nada a que o distrito não tivesse direito. Na altura, pedi apenas ao Governo para que cumprisse com o que se comprometeu por escrito.
No seu entender, quais foram as principais consequências, tanto positiva como negativa, da viabilização desses Orçamentos?
Quanto às consequências positivas, a minha tomada de posição contribuiu para que o Governo andasse da perna para resolver antigos compromissos feitos com a região. A parte negativa terá sido a dificuldade de fazer entender o que estava verdadeiramente em causa para o país. Nessa altura, há quem faça interpretações diferentes. Os partidos da Oposição estavam todos sedentos da aprovação do Orçamento de Estado, mas nenhum queria assumir o ónus político da sua viabilização. Essa é que é a grande hipocrisia da política em Portugal.
Apesar da viabilização, a fábrica de queijo não chegaria a ser construída...
Esse ponto nunca foi considerado essencial. Foi apenas uma manifestação de interesse em que, se existissem condições empresariais para a instalação de uma nova unidade em Ponte de Lima, o Governo comprometia-se a viabilizar essa instalação. Não é o Governo que cria ou instala empresas. Foi uma questão simbólica, para dizer que Ponte de Lima continuava interessada em ter, no concelho, uma marca que é nossa, que tem prestígio e que poderia viabilizar uma nova empresa, para bem da região e do país. Houve quem quisesse ridicularizar a questão, dizendo que se tratava da aprovação de um Orçamento a troco de uma fábrica de queijo. Isso é não querer perceber o que está em causa.