Um homem, de cerca de 70 anos, colocou-se sozinho diante das dezenas de manifestantes neonazis que desfilaram, em Lisboa, no Largo Camões. Insurgiu-se contra a concentração, fazendo com que o cortejo avançasse para ele, por entre gritos de "Portugal, Portugal". Acenderam-se archotes e houve insultos a Carlos Moedas.
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Cerca de cem neonazis, na grande maioria homens entre os 40 e os 50 anos, manifestaram-se este sábado no Largo Camões, em Lisboa, contra a "islamização da Europa". Liderados pelo "skinhead" Mário Machado, contornaram a proibição do protesto, que tinha sido decretada pela Câmara da capital por ser no Martim Moniz onde residem imigrantes, e insultaram o autarca, Carlos Moedas.
O cortejo, encabeçado por uma faixa onde se lia "Portugal aos portugueses", percorreu um curto trajeto até à Praça do Município. Acenderam-se archotes e entoou-se o hino, por entre gritos de "Portugal, Portugal" e "Islão fora da Europa".
Um dos momentos mais tensos ocorreu ao início. Um homem, de cerca de 70 anos, colocou-se sozinho diante de dezenas de neonazis, acusando-os de serem peões do "terrorismo financeiro" contra o "mundo do trabalho". O grupo, controlado pela Polícia, avançou para junto do homem, insultando-o e gritando "Portugal, Portugal".
Interpelado pelos jornalistas, o homem disse chamar-se Carlos Cruz e assumiu-se como comunista, embora "mais à Esquerda" do que o PCP. Disse ter pena que não estivessem ali "mais 30 ou 40" como ele e, questionado sobre o motivo que o fez enfrentar o grupo, indagou: "Não estão a ver o fascismo a avançar por toda a Europa?".
Curiosidade e desprezo
Quem não soubesse que a manifestação ia ocorrer e aparecesse, à tarde, no Largo Camões, dificilmente se aperceberia do protesto. Só já perto das 18 horas é que a azáfama de turistas começou a ser quebrada pelo engrossar de um grupo de pessoas vestidas de negro.
As mulheres rareavam. Muitos homens eram corpulentos, vários tinham o cabelo rapado. Alguns vestiam t-shirts onde se lia "1143", o ano da fundação de Portugal. No início do século, um grupo neonazi de apoio ao Sporting, no qual Machado participou, tinha a mesma designação.
Havia duas faixas de pano no Largo Camões: na maior, que foi colocada na frente do cortejo, lia-se "Portugal aos portugueses"; atrás, uma outra, mais pequena, tinha a inscrição "Stop Islam" [Parem o islão]. Quando a noite começou a cair, acenderam-se archotes, símbolo conotado com o fascismo desde os primórdios do movimento.
A palavra de ordem mais ouvida foi "Portugal, Portugal", tendo também sido cantado o hino por várias vezes.
"Não se mancam..."
Os neo-nazis continuavam a não ser muitos, mas o aparato mediático e policial tornava mais perceptível o que ali se passava. A normalidade foi quebrada pela primeira vez com o episódio do homem solitário que enfrentou a manifestação; depois disso, a polícia posicionou-se, separando manifestantes e transeuntes.
Do lado de dentro, os manifestantes iam gritando "Portugal, Portugal", enquanto o cortejo não tinha permissão para avançar. Do lado de fora, as reações variavam entre a curiosidade e o desprezo. Uma mulher passou ao lado dos jornalistas e atirou: "Não lhes dêem palco!"; pouco antes, uma jovem negra leu a faixa "Portugal aos portugueses" em voz alta e suspirou: "Não se mancam...".
Uma outra jovem, que passava com a mãe, viu os archotes e pensou que a concentração fosse "a favor da Palestina". Quando alguém a informou de que era uma manifestação de extrema-direita, ficou incrédula: "Aqueles são neo-nazis?".
Uma mulher que passava pelo Largo Camões aproximou-se demasiado da manifestação e foi repreendida por um polícia, que lhe pediu que fosse para trás do cordão montado pelas autoridades. Esta acatou, dizendo: "Não quero que me associem àquilo". Quando os neo-nazis acenderam tochas vermelhas, um adolescente negro que passava com a namorada ironizou: "Portugal está a jogar? Ninguém me disse...".
Fora do perímetro reservado à extrema-direita encontravam-se, também, alguns elementos afetos à manifestação. Uns observavam, outros faziam vídeos. Um pequeno ajuntamento de alemães conferenciava, bem-disposto; a única mulher do grupo vestia um casaco com símbolos nazis cosidos.
O cortejo partiu já depois das 18 horas, por entre gritos de "Islão fora da Europa", entoados ao ritmo de um cântico futebolístico. Houve também insultos ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que tinha proibido a manifestação: "Ó Moedas, vai para o c...", ouviu-se. Uma vez mais, o momento pareceu decalcado dos estádios de futebol.
Quando o cortejo arrancou, algumas pessoas de fora gritaram "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais". De megafone na mão, Mário Machado pediu aos correligionários que não cedessem a "provocações". Alguns desobedeceram, gritando "Salazar".