Trabalhadores transfronteiriços só têm a ponte de Valença aberta, das seis existentes sobre o rio Minho.
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José Ferreira, 26 anos, vive em Salvaterra do Minho, Galiza, e trabalha num posto de combustíveis nos arredores da vila de Monção. Antes da pandemia demorava alguns minutos a chegar ao trabalho. Bastava atravessar a ponte entre as duas localidades. Passou a demorar horas desde que encerraram as fronteiras, a 16 de março.
A situação afeta muitos trabalhadores transfronteiriços, que residem numa margem do Minho e trabalham na outra. E que foram sacrificados com o fecho de cinco das seis pontes sobre o rio. Independentemente de onde residem, têm de atravessar para o outro lado pela ponte de Valença-Tui. Sujeitos por vezes a filas demoradas. Os municípios da raia têm reclamado em vão a reabertura dos postos fronteiriços (ver caixa lateral) que, não tendo ainda uma data certa, se aponta para 15 de junho.
"Moro junto à ponte, em Salvaterra. Antes, saía de casa e demorava quatro minutos a chegar à bomba de gasolina, que fica a cinco quilómetros, em Monção. Agora, tenho de ir a Valença e demoro 45 a 50 minutos", contou o funcionário, referindo: "Faço em média 95 quilómetros por dia. Em termos de combustível, é um abuso. Com um salário de 700 euros, desde 1 de abril até ao fim do mês gastei 250. Quase não compensa o trabalho".
Com mulher e dois filhos, José Ferreira tem mesmo de trabalhar e não abdica de ir e vir todos os dias. "A minha mulher está em casa sozinha com os meninos. Tenho de a apoiar", diz.
200 quilómetros por dia
Por isso continua a fazer o esforço de "sair de casa às 4.30 horas para abrir a bomba às seis". "Tenho sempre receio que haja fila. Antes, para fazer esse horário, saía de casa às 5.45 horas", descreve o jovem, comentando: "Mas há quem esteja pior. Tenho um amigo de Arbo (em frente a Melgaço) e trabalha em Monção. Faz cerca de 200 quilómetros por dia". Se a ponte Melgaço-Arbo estivesse aberta, percorreria cerca de 45 quilómetros, ida e volta, entre casa e trabalho. José Ferreira, desabafa: "Para trabalhadores como eu, com a fronteira à porta, podiam abrir a ponte e meter um ou dois agentes a controlar quem passa".
Cátia Mesquita, 32 anos, cabeleireira, reclama do mesmo. Vive em Monção e trabalha num salão em Salvaterra do Minho. "Levanto-me três horas mais cedo. Nunca sei se há fila em Valença. Depois, tenho 45 minutos de caminho até Salvaterra.
Em condições normais, demoro cinco minutos de casa ao salão, junto à ponte em Salvaterra", contou, comentando: "Tenho familiares e amigos de Monção que trabalham em fábricas de Salvaterra que chegaram a esperar duas horas na fila para passar. E já levam mais de dois meses a fazer estes quilómetros todos".
Também Paulo Fernandes, 42 anos, trabalha há 13 numa empresa de montagem de pneus na zona industrial de Porriño. Reside em Vila Nova de Cerveira, onde a ponte ao pé de casa está fechada. "Os quilómetros são quase os mesmos, mas tenho de me levantar mais cedo, porque demora muito mais tempo a atravessar por causa das filas", queixa-se.
PRESSÃO
"Insustentável"
O AECT Rio Minho e representantes das Eurocidades consideram que a restrição das fronteiras está a tornar-se "insustentável" e a causar "um profundo mal-estar" nos municípios da raia. Referem que um único ponto de passagem está a afetar trabalhadores transfronteiriços. E que "dos 60 pontos entre ambos os países", os de Valença-Tui, Cerveira-Tomiño e Monção-Salvaterra estão entre os seis com maior fluxo de tráfego.
Passagem única
O diretor do agrupamento transfronteiriço, Uxío Benítez, considera que "o território do Minho se encontra "afogado" por uma única passagem de fronteira".