Declínio da produção de sal contribuiu para a decisão dos comerciantes, que deixam a atividade com "melancolia" e muitas memórias.
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A falta de produto para abastecer clientes e problemas de saúde ditaram o encerramento do último armazém de sal em Aveiro, em frente ao canal de S. Roque. A Salineira Aveirense, que há mais de meio século comercializava o produto das marinhas da cidade, fechou portas em definitivo no final do ano passado.
A decisão, que já era ponderada há "dois ou três anos", deixa um "sentimento melancólico, triste. Era a nossa vida", admite Célia Santos que, com o marido, João Neves, e a filha, geria o negócio. O facto de ser um espaço icónico, o último armazém, "fez aguentar mais algum tempo", admite Célia. "Não foi fácil tomar a decisão, mas não havia produto para o cliente e, depois, surgiu o problema de saúde de João", explica.
João Neves diz que estava "tão habituado" que já não sabia "viver sem o sal". "Mas quando vi as salinas a decair, tive de tomar uma decisão, porque isto não era uma vida segura, rentável. Com muita pena minha".
O declínio das salinas em Aveiro, explicam, afetou muito o negócio do armazém. "Eles não fazendo sal, nós não temos para vender ao consumidor. Nos últimos anos o negócio tem vindo a decair. Até há dois ou três anos atrás eram muitas toneladas", explica Célia. "À volta de 300 a 350 toneladas por época", concretiza João.
Destino do imóvel indefinido
O armazém tinha "clientes certos", sobretudo criadores de gado da Região Norte, que "preferem o sal de Aveiro, rico em iodo, para fazer presunto e salgar carne", conta Célia. Também exportavam algum, nomeadamente para os Estados Unidos, França ou Inglaterra.
O armazém fecha, "mas a vida continua", conclui Célia, explicando que a família vai procurar trabalho noutra área. Quanto ao destino a dar ao imóvel, ainda está a ser decidido pela família, mas poderá passar pela venda (ler texto ao lado).
O casal admite que gostava que se preservasse a memória do salgado aveirense e da sua comercialização. Poucos terão recordações tão vívidas como as de João e Célia, que ainda se lembram de ver o sal das salinas chegar aos armazéns de barco, através do canal de S. Roque. Célia chegou mesmo, ainda adolescente, a andar com uma canastra de 50 quilos à cabeça, a descarregar os barcos que ali aportavam. Descarregavam "12,5 toneladas por hora".
Entre a água e o armazém havia um espaço de terra batida sobre a qual estavam assentes carris para facilitar o escoamento do produto. Por debaixo da estrada de alcatrão que agora ali passa, "ainda estão os carris", assegura Célia.
Salinas eram 120, agora são seis
O negócio que agora encerra "tem mais de 60 anos", sendo que nos últimos 40 foram João Neves (filho do casal que começou com a atividade) e a esposa Célia Santos a dar continuidade ao negócio.
Quando o casal começou, havia pelo menos "seis armazéns de sal" naquela frente do canal de S. Roque e "todos trabalhavam bem", lembra João Santos. Salinas seriam "umas 120" e agora "são seis". "Ainda vai reduzir mais. Quando os marnotos que estão agora nas salinas deixarem de poder trabalhar, isto acaba", vaticina o comerciante.
Antigo palheiro num local apetecível
O destino que os herdeiros vão dar ao imóvel, um antigo palheiro (fotos em cima), ainda é incerto, mas poderá passar pela venda. A localização, em frente ao canal de São Roque, é apetecível. Ali situam-se outros edifícios que resultaram da recuperação de palheiros e alguns novos, inspirados na traça típica. Naquela zona, explicou ao JN o presidente da Câmara, Ribau Esteves, há "um princípio de preservação" da tipologia de fachada, mas "nem sempre é possível, dada a degradação".
Resistência
Museu vivo
O declínio das marinhas em Aveiro levou a Câmara a adquirir a da Troncalhada, que funciona como museu vivo da atividade, produzindo sal e explicando o processo, que ainda se mantém de forma artesanal.
Turismo
Algumas marinhas somaram à produção de sal atividades na área do turismo, como forma de aumentarem os rendimentos. Há spas para os visitantes, visitas guiadas e observação de aves.