Dez anos após a tragédia ainda há quem desafie a sorte nas arribas do Algarve
Dez anos após a derrocada de uma arriba na praia Maria Luísa, em Albufeira, ter causado a morte a cinco pessoas de uma família do Norte, no seu último dia de férias, não falta quem ignore as placas de aviso e teime em encostar-se às falésias, em busca de sombra ou de um local mais espaçoso.
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Os nadadores-salvadores contam que passam os dias a pedir às pessoas que se afastem daquelas zonas, mas as reações nem sempre são positivas. "Há os que aceitam e os que dizem que já vêm para cá há muitos anos. Por isso, não se preocupam", descrevem.
Celestino Monteiro, 72 anos, ainda tem bem presente o "pesadelo" que viveu naquele final de manhã do dia 21 de agosto de 2009. "Foi um barulho enorme, uma nuvem de areia que se espalhou pela praia e que não deixava ver nada. Era gente a correr em todas as direções e gritos e mais gritos de aflição", lembra ao JN, a contragosto, assumindo que não gosta de falar sobre a tragédia.
Na altura, Celestino era o nadador-salvador mais velho do Algarve. Recorda que se aproximou e passou o tempo todo, até à chegada dos meios de socorro, "a retirar pedras e areia com as mãos". "Nem sabíamos ao certo quantas pessoas estavam lá por baixo", conta.
A filha de Celestino Monteiro e mais dois socorristas também estavam presentes. Não gostam de reviver aqueles momentos de pânico. Por isso, pedem para não ser fotografados nem identificados. "Foi uma manhã trágica... Uma confusão enorme! Todos corriam pela areia, envoltos em poeira, a gritar por ajuda, mas ninguém sabia ao certo o que se tinha passado". Os três lembram que a família que acabou por morrer "nem costumava ir para aquele lado da praia" e que "tinha mudado as coisas para junto da arriba meia hora antes de esta desabar". Outro colega diz que o perigo naquela praia é uma constante. "Três anos depois, em pleno verão, houve um desabamento bem maior, mas a sorte é que foi de madrugada", conta.
Alertas constantes
Há dez anos, Marcelo Gomes não estava na praia Maria Luísa, mas os relatos que lhe chegaram são suficientes para perceber que a sua missão, enquanto nadador-salvador é alertar para o perigo de ignorar a sinalização e permanecer junto às falésias. "Todos os dias, temos de ir pedir às pessoas para saírem dali. A maioria acata, mas há quem não se importe e diga que já conhece a praia há muitos anos, por isso não tem medo", revela.
Afonso Camacho, instrutor de surf, também tem várias histórias para contar. Como aquela, há dois anos, em que pediu a uma família que estava mesmo encostada a uma arriba para sair do local. "Isto aconteceu de manhã. Entretanto, fui almoçar e quando voltei a arriba tinha derrocado mesmo no sítio onde eles estavam. Foi um milagre! Ainda bem que acataram o meu pedido", descreve.
Como o JN testemunhou, situações como estas ocorrem por todo o Algarve, sobretudo na zona entre Albufeira e Portimão, onde a costa é delineada por arribas altas, que emprestam grande beleza natural aos locais, mas escondem perigos imprevisíveis.
"Às vezes, quando não querem sair, digo-lhes: "Olhem que já morreram pessoas aqui onde vocês estão" e então lá se mudam", conclui um dos elementos da equipa de Celestino Monteiro.