O Tribunal da Lousã começou, esta quinta-feira, a julgar um diferendo que opõe a Junta de Freguesia da Lousã a um morador, sendo este acusado de posse ilegítima de um terreno baldio.
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O conflito arrasta-se há vários anos, no lugar de Vale de Neira, concelho da Lousã, onde Manuel da Conceição Francisco, um antigo estivador do porto de Lisboa, reabilitou e ampliou uma habitação construída por familiares há mais de meio século.
"Da parte de fora da casa, não havia mais nada", afirmou a testemunha Manuel Francisco Maria no julgamento, que acabou por começar depois de goradas as tentativas para um eventual acordo entre as partes.
Corrigindo ligeiramente a versão segundo a qual o terreno em redor da moradia do seu primo Manuel da Conceição Francisco, agora cultivado, "nunca foi propriedade privada", Manuel Francisco Maria admitiu que, no passado, havia uma faixa de "dois a três metros no máximo" entre a construção e o espaço comunitário.
"Já a casa foi feita em terreno baldio, na década de 50", disse a testemunha.
António Fontes, o advogado da Junta da Lousã, que administra os baldios de Vale de Neira por delegação de competência dos compartes, na última década, perguntou se o reformado Manuel da Conceição, dono da habitação em causa, "não sabia que aquilo" - o solo alegadamente subtraído à fruição dos moradores de Vale de Neira - não lhe pertencia.
"Ele sabia tanto como eu", respondeu Manuel Francisco Maria, que, tal como a testemunha seguinte, Manuel Francisco de Jesus, admitiu ao tribunal estar de relações cortadas com o seu primo e réu.
Manuel Maria, interpelado pelo causídico Amílcar Sandinha, negou a existência de marcos a delimitar as propriedades no local, próximo da capela de São Bento, onde outrora a Câmara da Lousã ia carregar camionetas de saibro para as obras municipais.
"Há lá marcos da Câmara Municipal", contrariou o advogado da defesa, sugerindo que a testemunha "devia ter-se dado ao trabalho" de verificar a existência dessa delimitação.
A testemunha envolveu-se em acesa troca de palavras com Amílcar Sandinha, o que levou a juíza a repreendê-lo.
"Inventar não vale", disse Manuel Maria, ao ser desmentido pelo advogado, a quem acusou de estar ali "a ganhar o dele", enquanto ele estava apenas para dizer a verdade e sem qualquer interesse pessoal no caso.
Manuel Maria disse saber "que foi feita uma escritura de usucapião", que nunca leu, dos terrenos agora disputados entre o seu primo, depois de Sandinha ter realçando que, antes do 25 de Abril de 1974, "a Câmara Municipal vendeu, de facto, vários baldios" do concelho, incluindo em Vale de Neira.
Também a testemunha Manuel de Jesus, igualmente primo do réu, com quem trabalhou no porto de Lisboa, assegurou que a atual horta de Manuel da Conceição foi obtida por ocupação de uma parcela do pinhal e da saibreira reclamados pela comunidade, através da Junta de Freguesia, liderada pelo socialista António Marçal.
O julgamento prolongou-se durante a tarde, com a audição de várias testemunhas, sendo percetíveis, nalguns casos, diferentes desavenças entre vizinhos e familiares a influenciar esta disputa.