Dois casais com filhos, que haviam ocupado casas do Cabo Mor, em Gaia, ficaram sem teto. A Associação Habitação Hoje fala em ilegalidade.
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Duas famílias foram despejadas na quarta-feira das casas que haviam ocupado há anos, no bairro de Cabo Mor, em Gaia. São dois casais com filhos, um deles recém-nascido, que estão agora sem teto, na sequência de uma ação ordenada pelo tribunal num processo movido pelo proprietário, o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Ao fim da tarde, Bruna Francês e Bruno Nunes preparavam-se para dormir num carro abandonado. O outro casal ainda não sabia como ia passar a noite.
A situação destas e de outras famílias que moram no mesmo bairro tem vindo a ser acompanhada pela associação Habitação Hoje. Segundo Bernardo Alves, membro da associação, o IHRU não terá respeitado as normas do regime do arrendamento apoiado, estipulado pela Lei 32/2016, em particular no que concerne aos artigos 28.º e 35.º.
A associação considera que, mesmo tratando-se de ocupação ilegal, as pessoas em causa estão abrangidas pelo referido regime. "Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais", refere a lei. O que a associação e as famílias disseram ao JN foi que ninguém encontrou soluções: nem o IHRU, nem a Segurança Social.
"As famílias ocupam as casas por necessidade e foram elas que se denunciaram ao IHRU, dizendo que queriam regularizar a situação", referiu ao JN Bernardo Alves, acrescentando que algumas dessas casas estavam até reabilitadas e continuaram vazias por algum tempo até serem ocupadas.
Família não aceita
Bruna e Bruno têm uma filha de seis anos. "Eu sou de etnia cigana mas o meu marido não é", disse-nos a jovem, de 23 anos. "O meu pai não aceita e os meus sogros também não aceitam", lamentou de novo, para dizer que na emergência de ontem nem com a família pôde contar. Por isso, o casal ia deixar a pequena Kyara nos avós e preparava-se para passar a noite de ontem num carro abandonado.
Zélio Gonçalves, de 28 anos, ainda tinha esperança de passar a noite num centro de acolhimento, que contactou através da linha de emergência social. Casado e com três filhos - entre os quais Levi, de apenas um mês -, sentia-se discriminado. Contou ao JN que a Segurança Social não encontrou solução, uma queixa igual à de Bruna. "Outros disseram que não nos alugavam um quarto por sermos de etnia cigana", desabafou.
Bruna acrescentou que tentou regularizar a situação: "Durante seis anos, dirigi-me várias vezes ao IHRU, mas nunca disseram nada". Por sua vez, Zélio referiu-nos que o instituto "sempre soube" que a sua família estava naquela casa. "Queremos pôr tudo legal e queremos ter um contrato", disse ainda. Os dois casais garantem ao JN que estão inscritos para habitação social na empresa municipal Gaiurb.
O JN tentou obter esclarecimentos da parte do IHRU e da Segurança Social, mas, até à hora de fecho desta edição, tal não foi possível.
"Retirar o lugar"
Em comunicado enviado ao JN, a Câmara de Gaia referiu que "as regras são para cumprir, não sendo toleráveis ocupações de casas já destinadas a famílias carenciadas". Embora sublinhe que a urbanização em causa é da responsabilidade do IHRU, a Autarquia acrescenta: "Não se questiona se as famílias precisam ou não; o problema é outro: ao promoverem uma ocupação ilegal e clandestina, estão a retirar o lugar a outras famílias que cumprem a legalidade com condições sociais para beneficiarem de habitação social".
"Solidarizamo-nos com o IHRU e com o tribunal, apelando às famílias da ocupação clandestina que se inscrevam legalmente e atuem dentro do quadro legal, para terem os apoios que possam justificar", lê-se ainda no comunicado. Por fim, a Autarquia justifica que "não participa no realojamento, sendo um assunto da tutela".
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Mais casos
Segundo a associação Habitação Hoje, ao todo estão em causa 11 famílias que ocuparam ilegalmente casas do bairro há vários anos e algumas já terão sido alvo de despejo. Acrescenta que o tribunal lhes dá 15 dias para sair.
Tentaram legalizar
A mesma associação refere que em alguns casos as pessoas tentaram regularizar a situação perante o IHRU. E, inclusivamente, tentaram pagar renda, mas não terão tido resposta.