Provenientes de nove distritos do país, milhares de brasileiros foram votar ao Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), na manhã deste domingo. Ali, onde o Consulado instalou 39 mesas, os eleitores caminhavam a passo rápido até chegarem ao momento decisivo e só mesmo dentro das instalações é que guardavam silêncio quanto à sua intenção de voto. O que nem seria preciso, pois eram poucos os que não exibiam camisolas ou autocolantes, ora a favor de Lula, ora a favor de Bolsonaro.
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É sabido que os brasileiros são um povo quente. Um povo que faz a festa onde quer que esteja, que transporta no sangue uma alegria capaz de contagiar qualquer outra nacionalidade. No Porto, foi precisamente isso que se viu: alegria, palavras de ordem faladas ou cantaroladas, roupas e autocolantes a escarrapachar o candidato preferido, bandeiras e muita esperança na vitória, quer de um lado, quer do outro. Era este o ambiente geral.
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Essa alegria, porém, contrastou com as trocas de galhardetes entre grupos opositores, na rua por onde se acede ao edifício do ISEP para o ato eleitoral. Com a PSP por perto, a meio da manhã apenas estavam ali concentrados apoiantes de Bolsonaro, mas, pouco depois, já um outro grupo se manifestava no passeio contrário, e a favor do candidato contrário, e foi um desfiar de "mimos". A PSP aproximou-se então dos apoiantes do atual presidente e, a uns metros de distância e fora do campo de visão, elementos das Equipas de Prevenção e Reação Imediata estavam a postos. Até àquele momento, não tinha havido quaisquer incidentes.
Como que a refletir o que foi a campanha para a segunda volta (ou, para sermos mais rigorosos, para o segundo turno) no Brasil, os manifestantes foram generosos em insultos. Do lado de Lula, usou-se até a palavra "Pedofilia", gritada a plenos pulmões em direção aos seguidores de Bolsonaro. Estes, por seu turno, diziam "Lula, ladrão! Seu lugar é na prisão!". E, nos cartazes, acusavam o candidato "petista" de defender o crime, o aborto, as drogas e os ditadores.
Já no pátio do ISEP, a fila em ziguezague - como quem passa no controlo de um aeroporto - nem chegava a parar, num sinal de organização que os eleitores elogiaram. E mesmo nos corredores, notava-se a celeridade do processo, por voto eletrónico, apesar dos milhares de pessoas que afluíram às urnas. Pelas 11 horas, por ali já teriam passado cinco mil dos mais de 30 mil eleitores inscritos na jurisdição do Consulado-Geral do Porto (um aumento de 110% em relação ao ato eleitoral de 2018). Além do Porto, os eleitores chegavam dos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu.
No primeiro turno, a 2 de outubro, Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores) venceu Jair Bolsonaro (Partido Liberal) com larga margem no Porto e em Lisboa, tendo ainda saído vitorioso em Faro, embora de forma menos expressiva. Hoje, muitos dos seus apoiantes lembravam essa vitória.
O JN falou com os dois lados do campo de batalha. Denise Oliveira e Elcius Barbosa vivem na Maia há oito meses. Deixaram o município de João Pessoa em busca de outros ventos. "Mudança, porque lá no Brasil está muito ruim. Viemos para cá para trabalhar, mudar de vida", dizia-nos Denise, de 36 anos, empregada numa padaria.
O marido, de 52, é analista de tecnologia e chegou a trabalhar na gestão de Lula. Em Portugal, procura também "mais tranquilidade", que diz não ver no seu país, e nem o facto de o "petista" ter estado preso o incomoda. "Ele fez um pacto com demais políticos", atira Elcius, para concluir que o seu candidato "não pode levar nas costas" a penalização pelas fraudes.
Não pretendem regressar. Querem continuar a contribuir "para o progresso de Portugal", palavras de Elcius, que, ainda assim, deixa uma porta aberta: "Se o nosso Governo nos chamar de volta, vamos de braços abertos para trabalhar na gestão do Lula".
Chegada de Viana do Castelo, Eliane Meireles, de 58 anos, levava Bolsonaro no coração. Natural de Manaus, identifica-se com o presidente por questões de ideologia, mas também de "valores, ética, costumes". Como profissional da área dos recursos humanos, não deixa passar em branco "muitas coisas comportamentais dele", que reprova: "Não digo que foi o melhor candidato, nem que foi o exemplo. Nem na postura, nem no comportamento, nem na questão da covid".
No entanto, Eliane foi funcionária pública na administração de Lula e afirma ter vivido coisas que não quer repetir. "Embora eu viva noutro país e ame Portugal, preciso do melhor para o meu país e para os meus, que ficaram por lá", remata.
Quem também torce por Bolsonaro é o casal Marcelo e Gislene Pimenta, residente em Vila Nova de Gaia desde 2018. Saídos de S. Paulo em 2015, já tinham vivido em Itália mas mudaram-se para Portugal porque os pais de Gislene não se adaptaram à língua. Ele é advogado, ela trabalha como publicitária.
Gislene, de 39 anos, acredita que o seu candidato vai ganhar porque o opositor não enche os comícios. E reforça: "Bolsonaro arrasta multidões, o Lula já não. Tem os apaixonados". Marcelo, de 41, apresenta outros argumentos a favor do presidente que se recandidata: melhor economia, mais educação, menos criminalidade. "Viemos de 16 anos de Esquerda e houve um saque gigantesco na economia do Brasil", conclui, lembrando a era anterior a Bolsonaro, o eleitor que também tem cidadania italiana e pretende continuar a exercer a sua atividade, se possível, nos três países.
A viver em Amares há cinco anos, Thiago Correia e Glaucia Assis são a favor de Lula. Deixaram o Rio de Janeiro por acreditarem, na altura, "que no Brasil a perspetiva dos anos seguintes não seria boa", segundo Thiago, jornalista. Por outro lado, havia razões pessoais e profissionais que fizeram o casal mudar-se para o nosso país.
Confiante na vitória, até porque, no Porto, Lula ficou muito à frente no primeiro turno, Thiago admite, ainda assim, que a eleição no Brasil "vai ser muito renhida". "Mas acredito que o Lula vai conseguir ganhar e vamos conseguir voltar a colocar o Brasil nos eixos", reforçou.
A votação no ISEP prossegue até às 17 horas. Na primeira volta, foram pouco mais de 15 mil os brasileiros que ali votaram, o que correspondeu a metade dos inscritos.