156 milhões de brasileiros vão este domingo a votos. Bolsonaro insiste que o sufrágio digital não é fidedigno.
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A controvérsia suscitada por Jair Bolsonaro sobre o apuramento dos resultados das presidenciais brasileiras encerra logo à partida uma incongruência insanável: nas urnas eletrónicas, tecnologicamente certificadas e adotadas desde 1996, o presidente incumbente vê um aparelho arcaico e, sobretudo, atreito a violações e artifícios de toda a ordem. O método está mais do que aprovado. O discurso há de variar conforme os resultados das eleições de hoje.
Neste domingo, quando forem 17 horas em Brasília (20 horas em Lisboa), os presidentes das secções eleitorais de todo o país digitam uma senha para fechar a votação da segunda volta, que há de escolher o presidente do Brasil (entre os códigos "13", de Lula da Silva, e "22", de Jair Bolsonaro, os mais votados no primeiro turno, com 48,4% e 43,2%, respetivamente). Imediatamente, os dados coligidos nas urnas eletrónicas seguem para o destino, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que procede à contagem final e global.
Em cerca de três horas, os supercomputadores centrais somam os sufrágios e apresentarão os resultados, na conclusão de um processo aberto logo pelas 7.00 horas. Antes da abertura das secções de voto, as mesas imprimem um documento de cada urna: chamam-lhe "zeríssima", é emitida ante os mesários, também na presença dos fiscais representantes dos candidatos, e serve para comprovar que não houve votos prévios.
"Caixa-negra"
No final da votação, a urna eletrónica emite o boletim, que regista o total de sufrágios, os votos dos candidatos, os votos em branco e os nulos. Para assegurar a confidencialidade, os votos são baralhados, de modo a que o primeiro registo do documento não seja atribuível à primeira pessoa que votou na secção.
As urnas, com os respetivos cartões de memória, são depois encaminhadas para certificação de autenticidade nos Tribunais Regionais Eleitorais. Técnicos devidamente habilitados verificam as 30 camadas de proteção dos dados e confirmam o "log" da urna, que funciona como uma "caixa-negra". Só depois de verificados estes procedimentos os resultados seguem para o TSE, via VPN, uma rede virtual privada, que dispensa o uso da Internet para o envio dos dados, como forma de evitar ataques cibernéticos.
O cálculo do TSE é feito num supercomputador "Exadata X8 Full Rack", um demiurgo digital, infalível, da empresa Oracle. Pelo sim, pelo não, um segundo aparelho, do mesmo modelo, é usado para prevenir qualquer falha no primeiro.
As duas máquinas estarão instaladas numa sala fortificada, sob fortes medidas de segurança e com acessos muito restritos. A contagem pode ser seguida ao vivo nas plataformas do TSE. Lá pelas 19.00 horas locais (22 horas em Portugal continental) já se verá a tendência e quem festeja a eleição.
Rivais a postos
Jair Messias Bolsonaro, de 67 anos, concorre à Presidência da República pela segunda vez. Em 2018, foi eleito à segunda volta, com 57,8 milhões de votos (55,13%).
O ex-páraquedista, capitão do Exército na reserva, foi deputado federal pelo Rio de Janeiro em sete mandatos consecutivos, de 1991 a 2018. Iniciou a carreira em 1988, quando concorreu à Câmara Municipal do Rio de Janeiro e foi eleito vereador.
Lula da Silva, de 77 anos, completados na quinta-feira, governou o Brasil em dois mandatos, entre 2003 e 2011. Concorre à Presidência pela sexta vez. A estreia foi em 1989, na primeira eleição após a ditadura militar. O ex-metalúrgico obteve 16% e foi à segunda volta, perdida para Fernando Collor de Mello.
A primeira eleição concretizou-se à quarta tentativa, em 2002, contra José Serra. O candidato a "vice" de Lula da Silva, Geraldo Alckmin, é filiado no Partido Socialista Brasileiro e já foi adversário do líder do Partido dos Trabalhadores nas urnas.
Dados eleitorais
"Uma fraude"
Durante toda a campanha, desde a primeira volta, e na perspetiva de uma derrota clamorosa, Jair Bolsonaro não se cansou de falar, sem provas, de "uma fraude" nas urnas eletrónicas. Ameaçou não reconhecer os resultados, se perdesse logo ao primeiro turno. Os resultados fizeram-lhe baixar o tom das críticas ao sistema digital de contagem dos votos.
Sondagens em xeque
Os estudos de sondagens brasileiros foram muito criticados por não terem antecipado o resultado elevado de Jair Bolsonaro, a quem eram atribuídas, no máximo, 37% das intenções de voto na primeira volta. Segundo o estudo da Datafoha, Lula será eleito na segunda volta, com 53% dos votos expressos (47% para Bolsonaro).
Imparidades
Entre os 156 454 011 eleitores inscritos, as mulheres estão em maioria (52%), mas a paridade está longe de ser atingida. Entre as 27 169 candidaturas validadas pelo Tribunal Superior Eleitoral para a eleição do presidente da República, dos governos e assembleias dos 27 Estados e do Senado, as mulheres não passam de 33,4%.
Mais negros
Pela primeira vez na democracia brasileira, houve mais candidatos negros do que brancos (49,3% contra 41,1%). Nas eleições de 2018, os candidatos de ascendência africana representavam 44,2%.